Guia da Semana

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Irreverência e alto astral são algumas características marcantes de Sandra Cristina Frederico de Sá. Essa carioca e flamenguista roxa, que embala o público com seu timbre grave e caloroso, completa 30 anos de carreira em 2010. Para comemorar, lança seu 16º álbum: AfricaNatividade - Cheiro de Brasil. Com performances suingadas no estilo black music, de Sá - como é chamada pelos amigos - pretende, além de rodar o Brasil com uma turnê, transformar suas apresentações em DVD e montar um documentário sobre os quilombos espalhados pelo país.

Prestes a completar 55 anos de vida, a cantora se rendeu as tecnologias e intensificou os processos com o uso de redes sociais como Facebook, Twitter, MySpace e deixa fluir nas canções sentimentos sobre sua ancestralidade - já que descobriu ter 96,8% de africanidade de acordo com a pesquisa BBC Brasil. Cercada de amigos que deram voz às canções, como é o caso de Seu Jorge, o rapper angolano MCK e a cantora cabo-verdiana Ana Firmino, diferente do que fez nos registros anteriores, Sandra colocou não só canta, como também assina a maioria das faixas e, de quebra, é produtora de seu mais novo CD.

A dona dos dreadlocks coloridos bate um papo com o Guia da Semana sobre suas três décadas de carreira e confessa estar feliz com o novo projeto e apaixonada por si mesma.

Guia da Semana: O seu novo álbum acentua muito a música africana. Quando surgiu essa ideia?
Sandra de Sá: É o lance de trazer para nossa cultura o fundamento da música africana que é muito rica, forte e universal. O lance africano se ramificou, mas aqui no Brasil ganhou uma proporção bem grande. Nós fazemos um rock, tango, funk muito melhor que em outros países, porque temos suingue. Nossa malandragem, no sentido do bem, é diferente. O brasileiro observa, absorve, joga nas ancas e deixa fluir. Esse CD traz isso. A hora que sacarmos que nossa cultura é uma das melhores, nossa autoestima vai subir.

Guia da Semana: De onde surgiu o nome do CD AfricaNatividade?
Sandra: É bem ambíguo. Passa uma energia forte. Tenho essa mania de pensar nas palavras e falava em música preta brasileira. Até que comecei a ligar, atividade, África, ação e deu no nome. Mas não é um título apenas para o CD. Existe um projeto que inclui DVD e um documentário. Inclusive estive em Brasília para falar com embaixadores de países africanos, para realizarmos intercâmbios. Quero revisitar o projeto Quilombo Axé, onde viajei por vários quilombos aqui no país. E queremos fazer um trabalho sobre isso. É algo bem maior que só um CD e DVD. Nós artistas temos tanto a fazer e eu percebi isso.

Guia da Semana: Você passou um bom tempo preparando e escolhendo a dedo as faixas e sons para esse projeto. Qual foi a maior preocupação com o álbum, já que você assina também a produção dele?
Sandra: Me perguntavam quando ia ficar pronto e eu dizia: 'Não sei. Só fica pronto quando termina!'. Quando tive a ideia juntamos a equipe e só tem amigos mexendo com essa parada. Não quebramos a cabeça para escolher as músicas, começamos a tocar e deixávamos o som encontrar a gente. Eu fazia algo inédito, a galera montava um arranjo e deu tudo muito certo. Estou feliz com o resultado.

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Guia da Semana: Qual foi o maior desafio em produzir e cantar?
Sandra: A ousadia de não ficar preocupada em seguir padrões e ter de atender determinados tipos de públicos nas canções. Sem ter preocupação com horário e data. O melhor foi colocar minhas músicas na roda e virar um CD autoral. Não que escolhemos apenas canções minhas, haviam outras, mas, democraticamente, se tornou um CD autoral e eu percebi que sou boa nisso (risos). Nesse CD apenas duas canções não são minhas.

Guia da Semana: E como foi essa escolha das composições?
Sandra: Ouvia uma a uma. A banda começou a curtir e foi. Quando fomos ver já estávamos com doze músicas no CD. E era assim. Tocávamos, sentíamos a sonoridade e foi fluindo. O processo de produção foi bem gostoso. Melhor que um sexo (risos).

Guia da Semana: Como surgiram as parcerias como Seu Jorge e Ana Firmino?
Sandra: Tem muita gente legal nesse projeto. Zé Ricardo, Mombaça, Luis Caldas, Macau, que fez Olhos Coloridos comigo. Além disso, divido vocais com Seu Jorge, somos parceiros de anos e ele estava gravando em um estúdio próximo do meu. Entre uma parada e outra, ele me visitou e se amarrou em Baile no Asfalto. O MCK é um rapper angolano que fez uma rima na hora e ficou demais. A Ana Firmino é mãe de um rapper de Cabo Verde amigo meu. Comecei a frequentar mais o país e ficamos muito amigas, as famílias se encontraram. Até que fiz a música Fé e, pela internet, ela mandou uma oração em crioulo, então tive a ideia de fazer o dueto.

Guia da Semana: O que esse 16º significa na sua carreira?
Sandra: Significa tanto que eu tatuei Africanatividade no braço. Fiz isso para simbolizar a importância toda desse projeto. Fruto de um trabalho que eu faço há anos na minha vida, desde que eu comecei esse lance de música preta brasileira. Ainda mais depois que descobri que eu tenho 96,8% de africanidade. Para mim não é o principio, meio, nem fim, é só uma sacudida para ver o que eu posso fazer mais por essa cultura.

Fotos: Washington Possato


Guia da Semana: Qual a maior mudança que você enxerga na sua carreira ao longo desses 30 anos?
Sandra: É um lance de evolução e ver que valeu a pena essa perseverança. Às vezes ficar na minha e ao mesmo tempo em todas. Estar ligada, mas tranquila. Acontece das pessoas surtarem e não é a minha. Isso tudo fez a diferença para que eu chegasse totalmente relax nessa fase da vida, altamente consciente, com meu corpo e mente leve, a alma linda e apaixonada por mim. Acima de tudo feliz.

Guia da Semana: Você costuma gravar músicas que levantam a bandeira da raça, mas não abandona a veia romântica. Qual seu estilo predileto?
Sandra: Não existe uma separação. Música preta brasileira é isso. O brasileiro é muito romântico. O cara pode cantar um rock pesado que diz: 'Quero você pra minha vida'. Ou mandar uma Bossa no estilo: 'Eu amo você'. Isso tanto faz, As pessoas confundem música romântica com lentas. É possível ter uma canção extremamente violenta com um ritmo mais lento e um rock pesado com uma letra muito legal. Essa coisa é do brasileiro.

Guia da Semana: Em suas músicas é nítida a mistura de ritmos. Durante suas composições, como você identifica que uma letra seja ideal para uma detereminada levada?
Sandra: Não sei. Elas que se encaixam e a música me acha. Às vezes eu estou deitada, quase dormindo, e pinta alguma coisa na minha cabeça. Levanto correndo e canto logo no gravador. Existem músicas minhas que eu nem sei tocar e depois peço para os músicos me ensinarem. Inclusive estou tocando mais nesse álbum. Penso em uma letra, melodia, mando o gravadorzinho e fica tudo certo.

Guia da Semana: Acha que a música negra ganhou força no Brasil?
Sandra: Ela tem força. Esse suingue e a percussão já são fortes. O que falta é o brasileiro perceber isso. Tanto que, no meu álbum, fiz questão de deixar alguns instrumentos bem perceptivos nos finais das músicas. Quando mixamos, tiramos um instrumento aqui, outro ali e o que ficava no fim era uma outra coisa. Se forem analisar a fundo, vão notar que aqueles instrumentos já estavam dentro da canção desde o início.

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Guia da Semana: Você costuma homenagear em alguns álbuns e falar sempre de Tim Maia em entrevistas. Qual foi sua ligação com ele?
Sandra: Total. Desde quando o conheci na época do Vale Tudo até os últimos dias de vida dele. Fomos amigos de verdade, até ficar de mal a gente ficou. Ao lado dele aprendi muito, trocávamos bastante coisas. Ele, assim como Cazuza, é falado apenas por conta da doidera, mas esquecem que ambos eram pessoas de um coração imenso e até aproveitavam deles. Tenho maior orgulho de ter sido muito amiga dos dois.

Guia da Semana: Assim como uma centena de outros artistas, você também se adaptou as ferramentas digitais como Facebook, Twitter, MySpace. Acha que são formas de conquistar um público diferente?
Sandra: Não só o público, mas todo o resto. Algumas letras foram feitas pela internet, inclusive. Eu e Luis Caldas, por exemplo. Mombaça, Ana Firmino, também rolou pelo computador. Além das pessoas que vou conhecendo, um público mais jovem que vou angariando por meio de redes sociais num geral. Vivo hoje nos e-mail.

Guia da Semana: Você ainda espera conquistar algo maior com 30 anos de carreira?
Sandra: Quero conquistar o mundo. (risos). Afinal, estamos nessa vida para quê? Deus dá esse dom para gente viver e querer uma, duas, três vidas. Quero aprender e doar cada vez mais, adquirir conhecimento a cada dia, compor. Quero também conforto, por que não? E também todas as coisas boas, fruto de um bem maior que eu puder fazer para ver as pessoas felizes.

Atualizado em 6 Set 2011.