Guia da Semana

À espera do U2, fãs acampam na porta do Estádio do Morumbi


Uma lona improvisada serviu de abrigo para as mineiras Juliana Ciccarini e Driel Souza se protegerem das intempéries do tempo durante os cinco dias em que aguardaram a abertura dos portões do estádio do Morumbi. As mineiras foram as primeiríssimas a chegar ao local dos últimos shows do U2 em São Paulo, em fevereiro de 2006. Acampadas próximas à movimentada Avenida Giovanni Gronchi, na zona sul da capital, as amigas planejaram por meses as estratégias de sobrevivência da aventura.

Além de ajudar a organizar a gigantesca fila que se formava em frente ao portão 18, Juliana passou por poucas e boas durantes aqueles intermináveis dias. "Como sou advogada, e isso foi divulgado pela imprensa, uma pessoa decidiu me procurar na barraca em que estava para eu dar uma olhada em um documento judicial" conta. A jovem conclui que apesar de todas as dificuldades, não se arrepende de nada: "Foi uma experiência maravilhosa, principalmente porque o objetivo foi atingido. Ficamos perto do U2, era isso que queríamos, e conseguimos. É só o que importa".

Juliana e Driel: dias de luta
Os percalços pelos quais Juliana, Driel e a centenas de pessoas que encararam as filas para o show de Bono & Cia. passaram não eram poucos. O sanitário mais próximo, localizado em um shopping center, estava à cerca de vinte minutos do estádio - outra opção era pagar pelo uso de um banheiro particular, alugado pelo proprietário de uma casa vizinha. A ausência de mercados e padarias em um bairro estritamente residencial dificultava a alimentação dos fãs, obrigados a sobreviver à base de biscoitos, chocolates e refrigerante sem gelo. Durante a madrugada, carros passavam em alta velocidade pelas avenidas próximas às filas buzinando freneticamente, um motorista banhou um grupo de pessoas que dormiam em frente a um dos portões, descarregando um extintor de incêndio.

Já dentro do estádio, o público que amanheceu nas filas enfrentou uma nova provação: agüentar em pé as oito horas que antecipavam a entrada dos irlandeses no palco. O sol escaldante de verão vitimava os mais fracos, que desmaiavam sistematicamente para desespero dos atarefados bombeiros. Disputada a tapa, a água, embalada em um pequeno saco plástico, ao mesmo tempo em que era objeto de desejo de muitos, poderia ser a vilã da história caso despertasse aquela vontade irresistível de ir ao banheiro. Problema resolvido sem o menor pudor por alguns garotos e donzelas que não trepidavam em aliviar ali mesmo, no gramado, sob o olhar de curiosos e o respaldo de colegas.

Para quem estava longe, o telão deu uma grande ajuda


Privilégio de poucos

Momento aguardado pelos mais fanáticos, a abertura dos portões é um verdadeiro salve-se quem puder. Por mais que espalhem seguranças pelo local, as casas de espetáculos não conseguem impedir que um número razoável de pessoas arranque rumo aos melhores lugares, geralmente próximos do palco. A disparada da boiada costuma castigar com tombos homéricos os menos sortudos, que mal conseguem localizar o algoz que o derrubou em meio à multidão ensandecida.

A dura vida dentro de uma barraca
Mas a pergunta que não quer calar: por que tanto esforço para ficar tête-à-tête com os ídolos? Afinal, não se pode arredar pé do quinhão conquistado sem que um espertinho tome o lugar, banheiro nem pensar, comida e bebida passam longe da turma do gargalo, que ainda é pressionada o show inteiro contra as grades de contenção e certamente não ouve os instrumentos da melhor maneira possível. Argumentos só não são maiores do que a quantidade de gente disposta a encarar tantas provas de resistência. Afirma-se de tudo: a emoção de estar na primeira fileira é incomparável, é mais fácil levar para casa um brinde do artista, seja uma palheta, um setlist ou um mero perdigoto, não há a possibilidade de um cabeçudo postar-se logo à frente, entre outras dezenas de respostas.

Se existem diversas maneiras de burlar uma fila, ou entrar em uma área privilegiada sem torrar debaixo do sol, há também formas de evitar a concentração de pessoas nos arredores do local do show dias antes de sua realização, ou ainda de reduzir as dificuldades de visão das pessoas de menor estatura. O mesmo U2 que mobilizou milhares de fãs ao redor de estádios do mundo inteiro - houve caos em países como Chile, Argentina, Nova Zelândia e Austrália - testou durante a turnê americana um dispositivo que sorteava aleatoriamente, na entrada do concerto, os ingressos daqueles que ficariam na disputada Hot Area, desestimulando os mais xiitas a permanecerem plantados por horas à espera do show. Casas de espetáculo como o Via Funchal, em São Paulo, dispõem de pistas decrescentes, ou seja, cujos espaços mais distantes do palco estão em patamares mais altos do que os mais próximos, permitindo que todos possam enxergar o desenrolar do espetáculo sem ter a visão prejudicada.

Barraco e vexame

Em abril deste ano, a estudante G.L.T, de 16 anos, presenciou o quebra-quebra que antecedeu a apresentação de dois populares grupos de pagode em um clube da zona leste de São Paulo. Concentrados nas mãos dos onipresentes cambistas, os ingressos evaporaram rapidamente, despertando a ira dos adolescentes que aguardavam há tempos nas filas da bilheteria. Chamada para conter a confusão, a polícia entrou em confronto com um grupo de jovens que tinha as entradas em mãos, mas eram impedidos de adentrar ao local do show pelos seguranças. No tumulto, a também estudante C.M.I desmaiou após ser atingida na cabeça por uma garrafa de vidro. Para G.L.T o trauma não compensa "Nunca esperamos que esse tipo de baderna aconteça, mas muitas vezes a organização do evento facilita esse tipo de coisa".

Strokes: muita fila para pouco show
Filas parecem ser o calcanhar-de-aquiles do brasileiro. Engana-se quem pensa que elas só se formam nos momentos que antecedem os shows. Até para comprar ingresso, muita gente se dispõem a esperar intermináveis horas, e muitas vezes desnecessariamente. Em 2005, a vinda dos ensebados Strokes para o TIM Festival levou dezenas de fãs a montarem guarda desde as primeiras horas da manhã em frente a uma grande livraria da capital paulista. Vestidos à maneira dos ídolos, muitos moderninhos de plantão roíam as unhas enquanto não se aproximavam da bilheteria. Bastava um pouco mais de paciência e bom senso para descobrirem que outros pontos de venda espalhados pela cidade comercializavam as mesmas entradas praticamente sem nenhuma fila. A pressa, que já era desnecessária, tornou-se patética quando puderam comprovar que sobravam ingressos à venda no mesmo dia em que a banda se apresentava.

Atualizado em 6 Set 2011.