Guia da Semana

Foto: Divulgação

A novela teatral O Idiota, de Fiódor Dostoiévsky, foi dividida em três dias de apresentação, com sete horas de duração total, e aconteceu no galpão do Sesc Pompéia, em São Paulo. No início de cada apresentação, o grupo se empoleirava num amontoado de tijolos de concreto, marcando, com tinta branca uma superfície transparente, atrás de cada um deles, o nome do personagem que cada ator ia representar. Situavam o público.


No primeiro dia, o livro esteve presente na mão dos atores e, em uníssono, leram o início da história. Nos dois dias subsequentes, relembraram os fatos ocorridos nos anteriores.

No primeiro contato com o público, os nove atores estabeleceram um movimento de transição do literal para a incorporação dos personagens e instauraram a atmosfera cênica. Sem a ambição de se sobrepor à obra literária, eles estavam a serviço dela para compartilhar uma história comovente.

Estendeu-se uma arquitetura cênica, ora fixa ora móvel, que a equipe técnica era responsável pela movimentação e trazia elementos, formando a cena. Os músicos participavam, trazendo modas que exprimiam a alegria da Rússia numa versão brasileira, conferindo uma adaptação da obra ao público local. Havia um piano estático no galpão trazendo, como fundo musical, o centro do sentimento derivado das situações da miséria humana.

Os personagens, em sua maioria, eram mesquinhos, mas, em face ao protagonista, descobriam sua sordidez. Para os distanciados, denunciava-se o comportamento vil e, para os envolvidos, havia um reconhecimento da própria degradação que era absolvida na presente ironia.

De maneira itinerante, houve o percurso por entre os cômodos que abrigavam os personagens do livro em suas moradias e os atores conduziam gentilmente a plateia na mudança de cenários, sem haver ruptura na passagem para outra cena.

Nessa travessia, estabeleciam uma relação empática. Quando instalados nos locais em que encenavam as situações dramáticas, os atores requeriam uma opinião do público frente ao assunto tratado em cena, trazendo um caráter de improviso e de segurança em relação à atualidade da grandiosa obra encenada.

O público tinha opções: sentar-se em cadeiras dispostas ao redor do cenário ou preferir as almofadas espalhadas pelo chão. Havia uma sensação de estar participando do que acontecia naquele momento, trazendo a ideia de happening, de algo que nunca se repete da mesma maneira a cada nova apresentação.

A realização cênica dependia da presença do público. Foi previamente planejada a distribuição de taças de champanhe e de vinho tinto para o brinde na festa de aniversário da devassa Nastássia e, no noivado do Príncipe Michkin, com a bela Glalia.
Todos eram convidados a brindar nessas realizações cênicas. Também havia cestas de frutas, que alguns atores comiam e ficavam disponíveis para o público, proporcionando liberdade de escolha do espectador em ser participante, penetrando no delicado limiar entre ficção e realidade.

Os elementos vitais - água, terra, fogo e ar - foram introduzidos na história, poeticamente, como imaginação material. Os planos foram explorados fisicamente pelos atores: o baixo, o médio, o alto e o mais alto, quando estavam nas estruturas cenográficas.

Havia uma coreografia dos corpos, que trazia para o desempenho deles, dentro e fora da cena, uma presença constante que surpreendia sempre e explicitava a força do conjunto. Também com destaques particulares, os gestos expressivos configuravam uma dança-teatro.

O recurso da iluminação foi uma linguagem que caracterizou muito bem o personagem principal que, quando sofria de epilepsia, seu passado se misturava com o presente, e realidade e imaginação se mesclavam. A iluminação e a projeção de imagens trouxeram para o "fazer" teatral cru, potencialidades na encenação ao multiplicar a expressão. Com ajuda do figurino, da maquiagem e das projeções, a experiência foi muito imagética e o texto serviu como linha de trabalho, de onde nasceu a caracterização dos personagens.

As palavras traduziam sentimentos que estão por trás delas e essas criaram um território estético e afetivo, um campo de ação, uma zona de conflito que contaminavam ao comunicar. Proposto pelo escritor como obra, Aury Porto adapta o livro de 700 páginas e assina como dramaturgo.

O Idiota, de Dostoiévsky, conta a história do príncipe Michkin que tem uma falha trágica ao compadecer-se de todos os personagens a sua volta como os perversos, os corruptos e até os infames. Todos tiram proveito de sua benevolência e mostram que, num mundo habitado pelo mal, quem possui compaixão é considerado como uma pessoa fraca ou débil. O grande personagem da história é o dinheiro que perpassa por todas as relações e é capaz de desvirtuar o caráter daqueles que tem o poder da racionalidade.

A montagem desse espetáculo foi um projeto grandioso e se realizou de uma forma inusitada e moderna. A direção de Cibele Forjaz trouxe para o público o encontro com a obra de arte total, que integrou música, teatro e artes visuais. A qualidade do ator estava muito presente inclusive no risco que corriam pelo desafio ao inesperado, que poderia ocorrer casualmente e estavam submetidos com muito preparo.

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Qual a verdade?

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Quem é a colunista: Renata Bar Kusano.

O que faz: Publicidade e Propaganda (FAAP), uma aprendizagem em edição em vídeo e suas correlações.

Pecado Gastronômico: carré de vitela ao molho de hortelã e camarão à provençal!

O melhor lugar do mundo: debaixo d´água.

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Atualizado em 6 Set 2011.