Guia da Semana



Muitas vezes somos condicionados a uma enfadonha rotina. E a permanência excessiva dentro de sua estrutura acaba por nos distanciar ou impedir aquilo que realmente vale a pena. Escrevo isso, pois demorei muito tempo, mais do que realmente gostaria, para assistir à peça Sessenta Minutos para o Fim, do grupo Garagem 21, dirigido por César Ribeiro. E, hoje, percebo o quanto deveria ter me esforçado mais para sentar em sua plateia.

César me chama a atenção desde sempre. Ao menos, desde que comecei a ler suas críticas e seu blog. Há uma intensa sinergia entre nossos devaneios e conclusões. A maturidade violenta com que costumeiramente aborda as questões, traduzia-o como um curioso inquieto devorador de música, cinema, política e teatro. Levado ao desejo antigo de compreender sua arte mais profundamente, chego ao teatro dois minutos atrasado, mas desta vez consegui entrar e permanecer.

Sessenta Minutos para o Fim reúne Arrabal e Beckett fortalecendo a base de uma dramaturgia consistente e provocadora como pouco se vê na atualidade. A história de dois sujeitos sequestrados por um coelho e obrigados a representar para um público inexistente, dá o tom preciso do universo dos dois dramaturgos. César, porém, vai além e codifica as exigências desse absurdo em fugas do naturalismo, por meio da construção de corpos mais próximo à caricatura dos quadrinhos. E funciona. E bem. Recortadas, as "cenas-imagens" são bem definidas, estruturadas de maneira simples a partir do jogo teatral. Cabe aos atores sustentar a precisão perigosa entre o não-naturalismo e o expressionismo. Ainda que a construção de Ulisses Sakurai seja mais eficiente do que a realizada por Paulo Campos, o espetáculo se sustenta tranquilamente na criatividade da história e na inteligência dos monólogos e, sobretudo, com a deliciosa e divertida presença do Coelho em cena, vivido por Priscilla Maia.

O que César Ribeiro oferece ao seu espectador é mais do que uma narrativa maluca exacerbada por referências e signos. Ao contrário. Na exatidão da palavra, na importância da música que ronda toda a atmosfera, o diretor-autor questiona a todos nós como podemos narrar o contemporâneo. Traz, pelo humor do tom nonsense, a empatia do ridículo e recodifica o exagero em forma de teatralidade. Tudo ali é teatro. Tudo ali é visceralmente teatralizado. E, ao fim, parece nos arrastar à culpa de igualmente nos divertirmos com tantos absurdos.

Muitos outros autores e diretores têm se utilizado do confronto com a moral burguesa, travestindo as ações em culpa. César diferencia-se pela perspicácia intelectual que faz com que a culpa seja estraçalhada em centenas de sentimentos, levando-nos a um labirinto perigoso da aceitação desprovida de parâmetros críticos. Assistimos e rimos. Entendemos os absurdos e continuamos a rir. Rimos das nossas próprias gargalhadas. E não notamos a obviedade de sermos nós os sequestrados pelo coelho, de estarmos acostumados à ausência do público e à solidão da ideia.

A plateia de César Ribeiro é específica. É preciso disposição intelectual para ir além da diversão burguesa de se estar no teatro e entender verticalmente o universo discursivo. E isso caracteriza e explicita a vocação de ser o Garagem 21 mais do que outro grupo de teatro. Há uma verdade maior nas intenções de Sessenta Minutos para o Fim: olhar nos nossos olhos e nos cobrar por sermos tão enfadonhos e patéticos. César exala a essência típica dos artistas inquietos e inconformados, dos criadores obsessivos. Isso por si só já deveria causar filas na porta do Satyros 2. E quem consegue imaginar qual deveria ser o tamanho da fila, então, quando se

Atualizado em 6 Set 2011.