Guia da Semana

Gabriel Oliveira


O lançamento no Brasil do romance Esquadrão Guilhotina traz o escritor e roteirista mexicano Guillermo Arriaga novamente a terras brasileiras. Em descontraído bate-papo com o Guia da Semana, Arriaga fala de sua produção literária, influências e carcaterísticas de sua obra.

Guia da Semana: Quais os autores brasileiros da sua preferência?
Guilhermo Arriaga: Do passado, Guimarães Rosa, li Grande Sertão: Veredas; de Jorge Amado, li muito...Gabriela. Clarice Lispector, Paulo Lins e Marcel de Aquino, esses são os autores que conheço.

GDS:O livro que você acaba de publicar no Brasil (Esquadrão Guilhotina) foi escrito há 21 anos. Por que só agora você publicou o livro?
GA: Eu publiquei o livro há muito tempo atrás e a tradução sempre tem outros ritmos. Aqui no Brasil publiquei primeiro o Búfalo da Noite, depois Um Doce Aroma de Morte, o segundo romance, e agora meu primeiro romance, porque minha editora não sabia se a Revolução Mexicana iria interessar tanto aos leitores, mas agora que já estão publicados os outros livros e o público me conhece mais, publicam agora.

GDS: Temas relacionados à guerra e violência inspiram diversas produções artísticas. Como transcender o mero contexto histórico e alcançar o universal?
GA: Acredito que tenha que se dar uma dimensão humana a qualquer conflito. Eu não estou somente falando da Revolução Mexicana, estou falando de indivíduos que se vêem imersos de repente na guerra e como isso afeta a humanidade desses indivíduos. Eu acredito que todos nós estamos vivendo uma guerra. Em São Paulo há uma guerra, no México há uma guerra - a guerra de classes que se expressa na violência, nos roubos, nos assassinatos, seqüestros... como as classes menos favorecidas através do comércio da droga e o poder do negócio da droga tomam uma revanche contra as classes dominantes. Então a melhor maneira de ser universal é conhecer os indivíduos.

GDS: Em entrevista, você disse que o livro é o momento mais alto da civilização humana. Seria o livro, na sua opinião, mais profundo que o cinema?
GA: Eu acredito que (pega um livro e começa a manejá-lo) é um objeto perfeito. Você lê a seu próprio ritmo, você pode dobrar, sublinhar, é perfeito. Já o filme avança a seu próprio ritmo. Por mais que você possa voltar ou adiantá-lo, você não pode levar o filme para onde você queira. Este (livro) é um objeto perfeito da cultura, porque se submete à sua própria vida e vai refletindo as imagens que você quer. O cinema oferece as imagens que o diretor, o fotógrafo e os atores querem dar. Não quero diminuir o cinema, me parece muito importante o cinema, mas me fica parecendo o livro como o ponto mais alto da civilização.

GDS: O escritor William Faulkner escreveu grandes obras de forma não-linear, como O Som e a Fúria, por exemplo. Nota-se também que na sua obra há essa perspectiva. Qual a razão de sua predileção por narrativas não-lineares? Você é influenciado por autores como Faulkner?
GA: Eu tenho duas influências: autores literários e a vida real. Nós não contamos de forma linear. Nunca. Você nunca conta linear, vamos de um lugar a outro. Então acredito que o linear é artificial. Eu te pergunto como é jornalista e você não vai dizer: em 1983, eu comecei... Começa dizer que ontem entrevistou não sei quem e depois me diz: é que meu avô veio de não sei onde...e vamos de um lado a outro. Nós elegemos organicamente estruturas distintas para cada história que queremos contar na vida real. Na literatura o que é feito é trazer essa forma de contar para as formas artísticas e o que eu tento fazer é tratar as histórias orgânicas como fazem James Joyce, Virginia Wolf, William Faulkner e todos os grandes autores.

GDS: Alguns escritores são mais levados pela inspiração. Já outros acreditam que o ato da escrita é mais um trabalho de transpiração. Qual o balanço que você faz entre inspiração e transpiração?
GA: Acredito que todos os grandes escritores dizem que 99% é transpiração e 1% inspiração. Eu acredito nisso. A inspiração chega quando você está em frente ao computador ou máquina de escrever. Não chega se você não está nem aí. Então se você fica 8 horas sentado, a inspiração chega, porque chega. Eu não carrego caderno de notas porque não tem sentido. Se a idéia é boa, se o que vem é bom fica na cabeça, senão se perde, não valia.

GDS: Em quando tempo você costuma escrever um livro?
GA: Cinco anos. Trabalhando diariamente, oito horas. Quando digo trabalhar diariamente é trabalhar diariamente, incluindo Natal. Minha mulher, meus irmãos, meus pais, com meus filhos e mulher nós vamos a um cruzeiro todo ano. Dizem que eu não vou me divertir e digo que compromisso é compromisso e trabalho e escrevo. Se não são oito horas, escrevo quatro, cinco horas porque é meu compromisso. Eu não acredito que um motorista de ônibus diga "Hoje não estou inspirado". Tem que trabalhar e acabou. Tem que dirigir.

GDS: Como conciliar essas atividades todas: roteirista, diretor, a produção literária, além da condição de pai?
GA: O mais importante é ser pai. Tudo o mais é superficial. Se eu ganho Oscar, Cannes, Nobel ou qualquer outro prêmio, mas meus filhos são infelizes, não valeu a pena. Minha função é ser o melhor pai do mundo. Todo o mais vem depois. Há casos de escritores que sacrificam tudo por seus livros e, logo, seus filhos são um desastre. Eu acredito que meus filhos são felizes. Acredito que minha mulher é feliz e para isso trabalho, para isso escrevo. Acredito que a pergunta "entre a arte e a vida, qual prefere?", acredito que sempre se deve apostar na vida. De resto, eu sempre admirei os renascentistas que faziam muitas coisas. Vivemos num mundo das especializações e eu acredito que as especializações rompem o ser humano. Eu não quero ser um especialista. Eu quero ser um contador de histórias. Eu gosto de contar histórias, tanto como diretor, tanto como roteirista, tanto como romancista, tanto como seja o que for, não importa. Eu escrevo para teatro, rádio, televisão; dirijo documentários, dirijo curta metragens e agora um longa metragem. Então, isso é que é o interessante da vida.

Atualizado em 6 Set 2011.