Guia da Semana

Foto: Getty Images

Ultimamente ando sem muitas ideias sobre o que escrever. Vez ou outra, publico por aqui uma crítica de um espetáculo que realmente gostei, mas, na maior parte do tempo, o meu negócio mesmo é falar sobre essa minha inconstância como artista. Essa confusão de sentidos e incertezas do ser humano que se reverte em escrita, trabalho, desejo, teatro e sabe-se lá o que mais.

O fato é que a carreira de artista no Brasil é muito parecida com os Doze Trabalhos de Hércules. Enquanto em outras carreiras as pessoas tem que matar um leão por dia, na área artística a gente tem que matar uma hidra de lerna. E cada vez que a gente corta uma cabeça nasce outra. Trata-se de um mercado muito competitivo onde não se tem nenhum tipo de garantia ou solidez. A maioria dos atores, diretores, produtores que lê esta coluna, sabe do que falo. Fazer arte no Brasil é uma "arte". Os recursos são poucos e o dinheiro menos ainda, por isso tem tanto ator se virando nos trinta para poder pagar as contas e fazer sua arte com um mínimo de dignidade.

Comigo também não é diferente. Cada sonho, cada desejo, cada objetivo tem que ser muito bem pensado e os riscos calculados. A gente chega numa etapa da carreira em que fazer arte apenas pela arte, sem nenhum tipo de retorno financeiro, já não dá mais. Todo ator quer o reconhecimento, mas quer dinheiro no bolso também. E para chegar nesse ponto ou você passa a se produzir - e aí fazer os trabalhos que realmente quer - ou dá um jeito de assinar um contrato com alguma emissora de TV, símbolo da estabilidade na profissão para grande parte dos atores.

A TV ainda é o veículo que atrai nove entre dez pessoas para esta profissão. Todo mundo quer seu lugar ao sol, ou melhor, seu lugar na novela ou, se não der, pelo menos numa minissérie. E, para chegar lá, neste Olimpo Televisivo, a maioria dos atores vai ter que fazer como Hércules e enfrentar seus próprios doze trabalhos. E neste caminho, não faltam Leões de Neméia, Hidras de Lerna, touros selvagens e javalis.

É um trabalho árduo, diário, de fé em si mesmo e na profissão. O primeiro conselho que dou para qualquer iniciante é que vá ao teatro, vá muito, veja de tudo, não só as suas preferências, afinal, a arte não é feita apenas de seu gosto pessoal. Segundo, aprenda com os clássicos, aprenda com os grandes diretores, autores e atores. Terceiro, estude muito e sempre se atualize, vá ao cinema, veja filmes que se tornaram grandes referências, esteja de acordo com o mercado, se antecipe a ele se puder. Amplie sua visão de mundo. Ator que não tem repertório, não tem o que trocar com os outros.

E, por último e o principal, crie sua própria verdade e seja fiel a você mesmo, pois vai ter muita gente por aí dizendo o que você deve ou não fazer. Em alguns momentos, você vai deixar de acreditar que é capaz de conseguir, questionar seu talento e sua capacidade de querer.

Mas não se engane. Ser ator vai exigir muito de você, muito da sua capacidade e muito da sua fé. E vou lhes contar um segredo que talvez alguns ainda não saibam: tem muito ator vivendo muito bem no mercado sem estar na telinha, gente que acreditou e hoje é reconhecido pelo seu imenso talento em outras áreas como o teatro e o cinema. Afinal, apesar da TV ainda ser o grande veículo que projeta o ator para milhares de lares todos os dias, ainda é para muito poucos. Tem gente fazendo história fora dela. Portanto, acredite em você e faça muito teatro e cinema se você puder. Se a TV um dia tiver que acontecer na sua vida, ela virá até você.

Leia as colunas anteriores de Alexandre Pontara:

A insustentável incerteza

Textos Raros

Vida de ator

Quem é o colunista: Alexandre Pontara.

O que faz: Paulista, radicado no Rio, Alexandre Pontara é uma mistura de ator, dramaturgo e produtor cultural.

Pecado gastronômico: Bolo Negro e Tiramissú de Chaika.

Melhor lugar do Brasil: Paraty.

Fale com ele: capontara

Atualizado em 6 Set 2011.