Guia da Semana

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Em Minority Report, filme de 2002 dirigido por Steven Spielberg, o espectador se depara com uma Washington que conseguiu acabar com os assassinatos. O meio encontrado para isso foi a criação da Divisão Pré-Crime, em que paranormais denominados Precogs visualizam o homicídio antes de ele acontecer, o que permite que os policiais prendam o acusado sem que o delito seja cometido.

Viver em uma sociedade como essa parece ser o sonho de consumo de muitos cidadãos em busca de uma realidade harmônica, haja vista a decisão do juiz Carlos Alberto Simões de Tomaz de proibir a comercialização dos jogos Counter Strike e EverQuest. O Precog mineiro, para impedir a venda dos games, afirmou que eles "trazem imanentes estímulos à subversão da ordem social, atentando contra o estado democrático e de direito e contra a segurança pública, impondo sua proibição e retirada do mercado".

A decisão mostra que a incompetência geral para coibir as distorções sociais está gerando uma sociedade que aceita a barbárie como norma, com fechamento de bares à 1h da manhã, proibição da publicidade de cigarros e em breve também de cervejas, apreensão de jogos eletrônicos. Isso para não falar dos Estados Unidos e alguns países da Europa, que vivem uma permanente situação de vigília e ausência de privacidade pós-11 de setembro.

Uma questão básica inerente ao assunto é que, se for considerar essa tal de subversão da ordem social, teríamos de fazer reflexões sobre a maioria da produção hollywoodiana, as novelas globais e os big brothers da vida. Também teríamos de pensar o que é veiculado pelos programas noticiosos, que chegam até mesmo a transmitir as guerras que interessam ao Ocidente em tempo real. Que tal cancelar o carnaval?

Mas o fato é que, em uma época na qual a igreja felizmente não dita mais a moralidade que deve ser seguida, o estado parece querer recuperar seu poder moralista e apontar os caminhos que podem "enobrecer" o ser humano.

A decisão mostra também o quão pré-histórica é nossa sociedade. Somos primatas que não conseguem comunicar idéias por meio da palavra e, vivendo em um mundo que não é nossa imagem e semelhança, acabamos impondo regras ao outro. Essa espécie de hierarquia não tem como base o mérito, e sim a própria posição em que se encontra o censor: o chefe da família impondo suas regras morais, o chefe do trabalho gerenciando seus desmandos, o pastor ditando a trilha para a salvação, a justiça aplicando seus valores retrógrados...

Sim, é disto realmente que se trata: do retorno à tão chamada censura. Decisão similar, se aplicada ao teatro ou aos veículos de comunicação, provocaria uma balbúrdia social e um temor de retorno à ditadura. Mas, como no Brasil aprende-se cedo que é preciso deixar de ser criança e adultos não brincam, a proibição dos jogos não gerou a repercussão devida. É bom ressaltar que os jogos citados são proibidos para menores de 18 anos - e se alguém levantar a voz para dizer que essa lei não é cumprida, não se trata de reformulá-la, mas de encontrar meios de cumpri-la. É bom igualmente ressaltar que o Japão, um país mundialmente bem-sucedido e considerado exemplo de uma sociedade séria, tem uma população que nasce e morre utilizando jogos eletrônicos, lendo mangás...

Contudo, o ponto-chave do assunto é que, independentemente de concordar ou não com a proibição, o fato de permitir a alguém dirigir os destinos individuais é um caminho sem volta e um risco absoluto, afinal a qual precog está destinado determinar os valores benéficos ou prejudiciais à "ordem social"? Ou, citando o blog Anderssauro, "Alguém por favor me ajuda a lembrar em qual jogo uma menina de 15 anos fica presa em uma cela com 20 homens?"

Leia as colunas anteriores de Cesar Ribeiro:
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Quem é o colunista: Cesar Ribeiro.

O que faz: diretor da Cia. de Orquestração Cênica.

Pecado gastronômico: comidas gordurosas & óleos adjacentes.

Melhor lugar do Brasil: metrópoles com multidão, sirenes & fumaças.

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Atualizado em 6 Set 2011.