Guia da Semana

Foto:sxc.hu


Vivemos em um mundo cercado de deuses. Não o deus barbudo sentado em um trono qualquer dirigindo os destinos da humanidade, mas a necessidade de uma referência primeira que sirva de padrão. Recriamos essa vontade do uno em todas as esferas sociais: no trabalho, na casa, na política... Há sempre os líderes. Se você olha para o trabalho, verá uma convenção de chefes. Na família há a divisão matriarcal ou patriarcal. Na igreja, o pastor do rebanho a ministrar seus valores.

Há algumas conclusões que podem ser tiradas desse fato: a primeira é que o ser humano simplesmente não está preparado para viver em coletividade, e por isso precisa nomear alguém que sirva de juiz às causas e impeça o conflito de opiniões. A segunda é que, para poucos que têm necessidade de domínio, e conseqüentemente buscam a liderança, há uma infinidade de pessoas que precisam ser lideradas, tentando com isso a minimização de responsabilidades no ambiente em que são "subalternas". A terceira é que nossa comunidade, antes de reconhecer o mérito, reconhece o nome - ou o título -, e por conta disso precisa de alguém que lhe sirva de exemplo para saber como agir e muitas vezes como pensar.

No teatro esse valor também está enraizado, claramente na figura do diretor, um título dado àquele que dita os caminhos a seguir. Como em qualquer área profissional, há o diretor tirano, que utiliza seus atores como marionetes, e aqueles que dão mais abertura à criação dos atores, querendo a participação destes no ato da criação.

Atualmente conhecido como Processo Colaborativo, essa forma de fazer arte tem como foco entender o funcionamento de um coletivo de pessoas de uma maneira diferenciada, em que as responsabilidades são divididas entre os membros e na qual as opiniões são colocadas na balança para gerar um espetáculo.

Nesse processo, a visão de teatro continua sendo a comunicação, mas não no sentido de que há apenas um artista que coloca suas idéias, mas um coletivo que discute a sociedade e procura um consenso para emitir uma opinião fechada, no caso chamada de peça de teatro. Essa tendência atual representa um ganho na área da criação, uma vez que, no teatro "antigo", o diretor colocava em cena suas fantasias e cabia aos atores representá-las, limitando ao trabalho da interpretação a função do ator.

Ora, o teatro é feito de atores, não de produtores, iluminadores, diretores, cenógrafos ou dramaturgos - o que obviamente não deve limitar o caráter estético/dramático da obra. Em uma atualidade em que qualquer Caçapava Funkadelic que aparece em novelas bizarras é chamado de ator, ou então a gostosinha do comercial de cerveja é reconhecida como modelo/atriz/garota de programa nas horas vagas, deixar ao ator somente a representação de um papel é tirá-lo de sua aptidão à arte.

Arte, política, jornalismo, publicidade, filosofia... tudo se resume à palavra opinião. O ser humano é opinião. E, por mais que alguém venha dizer que há uma energia verde-abacate circulando através do tempo e dando uma "alma" ao dito cujo nascido, o que faz a individualidade é o conjunto de atitudes e pensamentos.

Agora se vê as gentes finalmente bradando contra a mídia e, como sempre, abestalhadas diante das maracutaias políticas, dos acidentes aéreos, das inúmeras guerras, da violência nas cidades e do aquecimento global. Mas, a individualidade pouco faz além de reclamar e esperar que seus líderes tomem atitude diante da estranheza do mundo.

Está mais do que na hora de repensar essas estruturas sociais arcaicas e o próprio comodismo humano, ou continuaremos a bradar impropérios nas poltronas escuras sem perceber que agimos como rebanho cego de pastores mudos.

Leia as colunas anteriores de Cesar Ribeiro:
? Sobre cotidiano, arte e sensibilidade

? A platéia invade os camarins

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Quem é o colunista: Cesar Ribeiro.

O que faz: diretor da Cia. de Orquestração Cênica.

Pecado gastronômico: comidas gordurosas & óleos adjacentes.

Melhor lugar do Brasil: metrópoles com multidão, sirenes & fumaças.

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Atualizado em 6 Set 2011.