Guia da Semana

Foto: Getty Images

Quem disse que tocar rápido é tocar bem? Para muita gente, palco é autódromo. E músico, piloto de Fórmula 1. Aplausos para o guitarrista dos dedos velozes, gritos para o baterista das ágeis viradas. Já foi a época em que a música agradava pela harmonia. Que saudade da professorinha que me ensinou o beabá! Agora é tudo uma questão de velocidade. Um tiro para cima e lá se vão os músicos numa triste corrida para ver quem chega primeiro à próxima nota.

Aula com o professor de música, Fábio Cardia. Um aluno pergunta se virtuosismo faz um músico se destacar. Fábio responde algo que ficaria na minha memória para sempre. "Não se trata de velocidade, mas sim de tocar no momento certo. Posso fazer alguém chorar tocando apenas uma nota do meu violino". A cabeça dos que dormiam se levantou da bancada junto com as mãos. Aplausos para Cardia. Vaias para a frieza musical.

O nosso calendário natural mostra uma data indesejável. É a época da falta de sensibilidade. Vivemos num tempo de ausência de músicos tocando pelo som. Músicos como o Zé Barbeiro, lá do Ó do Borogodó. Enquanto todo mundo tenta se destacar em solos a 120Km/h, Zé Barbeiro permanece quase invisível no palco. Na sua condição de funcionário da música, Zé prefere não aparecer mais do que ela. Quando Dominguinhos surge com a sua sanfona, surge também a delicadeza de alguém tocando pela música e dedos brincando de passear por teclas brancas e pretas sem a preocupação de apostar corrida entre si. Quer ser um dos primeiros colocados? Corra menos.

É natural da parte dos jovens músicos a vontade de tocar rapidamente para impressionar a plateia. Mas a evolução um dia chega: momento em que o sentimento e a coerência harmônica superam a velocidade. Basta ouvir o Paulinho Nogueira tocando Chico Buarque. Nada de virtuosismo, a simplicidade é algo tão real que chega a dar um arrepio na alma.

Um jardineiro usa vários instrumentos para embelezar o jardim. Ele não tem que ser especialista em enxada, por exemplo. Usa desde tesouras a rastelos. Se, no final, o jardim agradar, ponto para o jardineiro. Assim é o músico tocando pelo som. O instrumento serve apenas para passar a mensagem. Vale a música, a sua essência. Claro que às vezes a frase pede velocidade. Mas que seja em função do recado e não o próprio recado.

Raros são os instrumentistas que também merecem o título de musicistas. O que não falta são jovens preocupados com a velocidade de suas notas. E a mensagem musical? E a delicadeza tão necessária para emocionar os ouvintes? Vamos colocar uma placa em frente à nossa expectativa: precisa-se de músicos que priorizem o som.

Quem toca o tempo inteiro com velocidade não toca a alma de quem escuta.


Quem é o colunista: Pedro Cavalcanti.

O que faz: Publicitário.

Pecado gastronômico: Qualquer prato preparado pela minha avó.

Melhor lugar do Mundo: Aqui e agora, como diria o Gil.

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3: Ulisses Rocha, Pat Metheny, Chico Saraiva

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.