Guia da Semana


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Joana, Ana, Lóri, Beth, Clarice. No palco, Beth Goulart transforma-se nas várias facetas clariceanas e apresenta ao público fragmentos da obra e da trajetória de um dos maiores nomes da literatura brasileira. Em Simplesmente Eu, Clarice Lispector, além da interpretação, a atriz é responsável pela adaptação e direção do monólogo. Sucesso de público e de crítica, o espetáculo já passou pelo Rio de Janeiro e por Brasília. Até 27 de novembro, fará uma turnê pelas principais cidades do Sul do País e, em abril, a montagem chega a São Paulo.

Em cena, Beth não só impressiona a plateia com a semelhança física e gestual que conseguiu alcançar, mas, principalmente, encanta com a transposição teatral da magia das palavras da autora. "A ideia de fazer uma peça sobre Clarice Lispector surgiu de uma admiração profunda que eu sempre tive por ela. Este espetáculo é uma declaração de amor à Clarice e à obra dela", diz Beth Goulart. "Eu quis mostrar o lado humano da Clarice, a mulher. Muitas pessoas falam que ela é muito pesada, triste, deprimida, mas ninguém é uma coisa só. Tentei mostrar a luz da Clarice, mais do que a sombra", completa.

A narrativa da peça é feita a partir de trechos de entrevistas, depoimentos e correspondências. O texto sugere reflexões sobre temas profundos, como criação, vida e morte, Deus, cotidiano, solidão, arte, loucura, aceitação e entendimento. O monólogo também aborda aspectos característicos da obra de Clarice, como o vazio, o silêncio e o 'instante-já', que é como um flash. "Eu trabalhei alguns conceitos clariceanos nessa transposição da palavra para o palco. O vazio, por exemplo, está no cenário. Eu propus que o público vivenciasse os estados das personagens e participasse daquilo que está sendo contado", explica.

Preparação

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Para compor o espetáculo, Beth mergulhou durante dois anos numa intensa pesquisa sobre a autora. "Fiz um processo de imersão sobre Clarice Lispector. Eu lia tudo sobre ela, escutava as entrevistas que ela deu ao Museu da Imagem e do Som, assisti às entrevistas que ela concedeu para TV, enfim, fui tentando me aproximar ao máximo da alma dela, para que em cena as pessoas pudessem sentir que era ela que estava lá e não eu. Então, foi um processo de observação da maneira de falar, dos gestos e do ritmo", conta.

Beth fez ainda seis meses de preparação vocal com Rose Gonçalves para captar todos os detalhes da escritora e compreender a significação de cada palavra proferida. "O trabalho com a Rose foi mais em cima do texto. Não foi só um trabalho para achar a voz de Clarice, ou o 'r' preso, mas fundamentalmente para encontrar a dimensão espacial de cada palavra, quase que as tornar tridimensionais. Esse trabalho foi fundamental para a realização final do projeto", revela com satisfação. Beth Goulart também contou com o auxílio de Marcia Rubin para criar a partitura gestual das cenas. "Cada personagem tem uma maneira de falar e de sentir", diz.

Sensibilidade em cena

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Para mostrar trajetória da escritora, Beth escolheu quatro mulheres presentes nos livros Perto do Coração Selvagem, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres e nos contos Amor e Perdoando Deus. "Eu segui a minha intuição, separei por temas e escolhi as personagens para contar a história de Clarice através delas. Cada personagem significa uma fase de vida da Clarice. São todas mulheres, filhas de Clarice, segmentos dela mesma. Joana, de Perto do Coração Selvagem, por exemplo, pega um pouco a adolescência e esse processo selvagem da criação", esclarece.

Já Ana, do conto Amor, é uma dona de casa totalmente dedicada ao esposo e aos filhos. Ela leva uma vida simples, mas tem a rotina quebrada ao se impressionar com um homem cego, que masca chicletes na rua. "Ela representa uma fase em que Clarice se dedicou muito ao marido, que era um diplomata. Ela deixou de escrever um pouco, viajou para fora do país e dedicou-se ao esposo e ao filho", elucida. Lóri, de Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, é uma mulher que se prepara para viver um encontro amoroso. Segundo Beth, esta mulher, de certa forma, representa o amor na vida de Clarice.

A quarta personagem pertence ao conto Perdoando Deus. É uma mulher sem nome que sente a liberdade enquanto passeia por Copacabana. "Ela é engraçada, inteligente e tem um humor muito irônico. Vendo a beleza do mundo, ela sente-se a mãe de Deus. Ela se acha mais do que Deus. Só que ela quase pisa em um rato morto, sendo que tem pavor de rato. Então, ela descobre que às vezes ela é igual ao rato. Ela vai de Deus ao rato, em uma análise muito inteligente e bem construída da obra da Clarice, em que é possível ver o humor que a autora coloca nas pequenas coisas. Essa personagem representa o lado mais racional de Clarice", afirma.

Ao falar sobre resultado do trabalho, Beth demonstra muita satisfação e orgulho. "Contribuir com Clarice Lispector à frente das pessoas, trazê-la para conversar com o público é uma oportunidade maravilhosa. Mas fundamentalmente Simplesmente Eu, Clarice Lispector é um momento importante para a minha vida, porque eu estou me colocando como criadora", revela. A atriz ainda fala sobre a importância de assinar a produção. "Eu sempre fui muito criativa, mas nunca tive essa audácia de assumir e levar até o fim as minhas próprias ideias. Eu sempre acabava dividindo com alguém. Neste trabalho eu confiei que meu olhar sobre Clarice poderia trazer coisas positivas para as pessoas e fazer com que as pessoas se interessassem mais por ela. E eu acho que deu certo", acrescenta.

Atualizado em 10 Abr 2012.