Guia da Semana


Qual é o grande medo de Carlos Drummond de Andrade aos oitenta e cinco anos?

Nenhum. Sinceramente, sou uma pessoa terrivelmente corajosa, porque não espero nada de coisa nenhuma. Não espero decepção nenhuma. O medo que tenho é de levar uma queda, me machucar, quebrar a cabeça, coisas assim, porque, na idade em que estou, a primeira coisa que acontece numa queda é a fratura do fêmur. Isso eu receio.
(...) o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
("Congresso internacional do medo" - trecho)

Mas medo, propriamente, não tenho, porque não tenho religião. Não tenho partido político. Vivo em paz com meu critério moral e minha consciência.

O fato de ser um intelectual e um escritor num país em que somente uma elite tem acesso aos livros é frustrante para o senhor?

Não. Pelo seguinte: nunca procurei ser profissionalmente um escritor. Eu, até certo ponto, sou um profissional da literatura porque publico livros e estes livros rendem direitos autorais. Mas eu não viveria só dos meus direitos autorais. Então, não posso me considerar um profissional cem por cento. Não acho frustrante. Não tive a pretensão de fazer carreira literária. Tive apenas o desejo de exprimir as minhas emoções. Eu sentia necessidade de que elas se soltassem; era um problema mais de ordem psicológica que de outra natureza. Consegui manifestar os meus sentimentos e as minhas emoções em determinadas ocasiões e me senti, por assim dizer, recompensado.

Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro,
e o tempo não murchou;
não nos diluímos!
Chupar o gosto do dia.
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!
("Passagem da noite" - trecho)

Atualizado em 6 Set 2011.