Guia da Semana

Gabriel Oliveira
Lirinha em cena no espetáculo Mercadorias e Futuro


Nascido no interior de Pernambuco, na pequena cidade de Arcoverde, Lira Paes teve contato com a arte desde criança. Aos 9 anos escreveu a primeira paródia em cima do hino nacional, com 10 já recitava poesias nos encontros de cantadores na casa do avô, aos 12 estreou nos palcos e recebeu o primeiro cachê.

Hoje, aos 31, Lirinha é vocalista da banda Cordel do Fogo Encantado, atua no monólogo Mercadorias e Futuro, em que é dirigido pela mulher e atriz Leandra Leal e lança o seu primeiro livro, homônimo do espetáculo. O Guia da Semana entrevista o pernambucano que revive a literatura de cordel.

Guia da Semana: Como surgiu a idéia da peça Mercadorias do Futuro?
Lirinha: Essa é a minha primeira atividade relacionada com teatro. Eu desejava desenvolver a questão da récita, mas eu queria também trabalhar com música, uma música diferente. A zona de fronteira entre o teatro e a música é um lugar que eu pretendo realizar todos os meus trabalhos, queria também levar isso pro teatro. Então, comecei a pensar em um espetáculo que eu pudesse realizar isso. Daí, escrevi um livro sobre um Caçador de Profeta, que é um tema muito importante pra mim, porque é uma metáfora para falar de venda da poesia, juntei isso tudo e criei um espetáculo onde o personagem, o Liroviski, que o próprio nome já entrega, metade ficção e metade memória da minha história, é um caçador de profetas com a obrigação de vender a profecia, ou seja, fazer o serviço que os profetas não querem, que é essa coisa de botar preço naquilo que não tem preço. Vender o sublime.

GDS: A direção do espetáculo é da Leandra Leal, sua esposa, como foi trabalhar com ela?
Lirinha: É nossa, é conjunta. Ela tem o olhar de fora, estava fazendo sozinho e ela tem uma experiência e sabe muita coisa relacionada a arte e teatro. Foi fundamental esse olhar de fora, porque a gente acaba ficando muito mergulhado em si e perdendo a noção do outro. O teatro se faz com essa relação com o outro. Pedi ajuda dela para que ela fosse nos ensaios, terminou a gente se envolvendo e ela foi fundamental em várias questões, eu não fazia aquecimento, eu tinha um vícios musicais que ela conseguiu mudar para o palco. É como se ela tivesse me dado a mão para eu percorrer essa floresta, que pra mim naquele momento era mais desconhecida do que pra ela.

GDS: Como começou essa história com arte de cordel, teve influência da família?
Lirinha: Eu tenho influência de incentivo de instigação na família. Eu tinha um tio que me incentivava. Decorava poesia com grande facilidade, tinha contato com um universo de arte, a cantoria e a poesia. Eu nasci numa região que isso é muito forte, a poesia trovadoresca, na região do interior de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte se desenvolveu muito essa coisa de gêneros, de métricas e de rima. É um lugar que tem uns heróis cantadores da comunidade, tem uns caras que são muito inteligentes cantando. Meu avô fazia encontro de cantadores na casa dele. Mas aí meu tio Ivo me levava para recitar essas poesias. Isso eu tinha uns 10 anos, aí com 12 fiz minha primeira apresentação ganhando cachê. Eu até trago isso pra peça, empresto essa história para Liroviski. E aí que eu marco o meu início profissional.

Gabriel Oliveira
Lirinha em cena


GDS: Você traz muita coisa da sua vida para o espetáculo. Você considera mais ficção ou realidade?
Lirinha: Ela está na fronteira. Dá uma confusão com isso. A minha mãe conta uma história e eu peguei toda a história que ela contou, gravei lá em Arcoverde e desvirtuo a história, mas é com a voz dela sendo a mãe de Liroviski. Eu tive que explicar para ela que era teatro, mas não fica mal para ela não. Inclusive quem vê e não sabe dá o mesmo efeito. É uma voz feminina forte que conta a história de infância de quando quase morreu, mas que no final ele era um profeta.

GDS: Durante a peça você vende um livro, que livro é esse?
Lirinha: Esse livro existe, independente da peça. Mercadorias do Futuro é o meu primeiro livro, escrito mais ou menos durante cinco anos. Teve um trabalho de imersão, não é mais uma coisa que eu estou fazendo, realmente é algo que representa muito pra mim, por que o meu ponto de partida foi a palavra, foi escrever, foi recitar poesia. Já o espetáculo gira em torno da venda dele. O livro é a história de Liroviski aprofundada. Contando como os profetas entraram em contato com ele, como eles o convidaram para que ele realizasse essa pesquisa e como ele é procurado pelos profetas para que ele venda isso. Já a peça são as estratégias de venda. Ele lembra muito os vendedores que ele viu na rua, mas também tem referências de vendedores de literatura de cordel e outros mais sofisticados, como os da bolsa de valores.

GDS: Quais são as suas referências para poder escrever?
Lirinha: Até os 17 anos, quando eu comecei a fazer teatro, escrever pra mim era muito dentro do universo dos cantadores, tinha uma visão muito rígida de métrica e rima que fui perdendo aos poucos. Conheci João Cabral de Melo Neto, entre outras coisas. Mas nesse livro eu tive referências que eu ofereço a (Jerzy) Grotoviski, que tem mais uma relação com o teatro do que com a literatura, (Paulo) Leminski e Micheliny Verunsky, por isso eu coloquei o nome do personagem de Liroviski, é uma brincadeira para homenageá-los. Micheliny Verunsky é uma poetisa de Arcoverde que está surgindo agora e faz um texto muito diferente nesse universo de rima métrica. Também não posso deixar de citar Raduan Nassar de Lavoura Arcaica que pra mim é como eu queria escrever, como o Graciliano Ramos escreve, que também é uma inspiração.

GDS: Você trabalha com obras de cordel há mais de dez anos. Como você faz para se dividir entre tantas atividades?
Lirinha:A minha prioridade de trabalho, tudo o que se relaciona a agenda o Cordel do Fogo Encantado tem prioridade. Por isso que estou fazendo temporada no teatro às terças. Eu fico sempre receoso da idéia de multi-artista porque eu acredito que termina sendo superficial e não conseguindo se aprofundar. Mas no meu caso, na verdade, é um retorno de continuar algo que impulsiona o meu trabalho, inclusive no Cordel.

GDS: O Cordel é uma banda independente. Isso ainda é difícil aqui no Brasil?
Lirinha: O Cordel é uma banda independente desde a origem e tem suas dificuldades por causa disso. Agora é uma banda que tem uma determinada exposição, público em todas as capitais, uma agenda mensal ativa e quase todos os fins de semana preenchidos. É uma banda que talvez não traduza as dificuldades que outros grupos independentes passam, mas conhecemos bastante esse cenário. É um grupo que saiu do interior de Pernambuco, que fez o primeiro espetáculo em Arcoverde, conhecemos bastante a dificuldade de vir de uma região periférica do país e ter a metrópole voltada de costas pro seu interior. Isso é uma condição do país, então passamos por muitas coisas. Mas hoje é um grupo que mantém uma equipe grande.

Atualizado em 6 Set 2011.