Guia da Semana

Foto: Divulgação / Luiz Tripolli

A Loba de Ray-Ban é um título convidativo em seu simbolismo, ao misturar o animal, "Loba", em seu aspecto primitivo e predatório a um elemento moderno, "Ray-Ban", que faz a mediação da voracidade do animal, moderando os instintos numa espécie de disfarce.

A peça se utiliza da metalinguagem, o cenário é o próprio teatro, mostra inclusive a coxia e o camarim. Participam do enredo personagens como o diretor, o contra-regra e atores em fase de teste e o foco é a estória da atriz-empresária Julia Ferraz, com a deslumbrante Cristiane Torloni, como centralizadora dos acontecimentos.

A peça mostra o universo pessoal e profissional de uma atriz, por isso é recheado de referências do teatro, como por exemplo, o conceito de quarta parede: o ator desempenha seu papel na fantasia como se fosse verdade e ignora o público.
Nessa peça a atriz Julia Ferraz brinca com isso, rompendo a quarta parede e se comunicando diretamente com a platéia.

Há um momento pontual, em que vemos a própria Cristiane Torloni, quando ela se refere à sua boa forma em relação à sua idade e lê que o público, principalmente às mulheres que estão se aproximando de sua idade, ao invés de estarem atentas ao texto e ao desenvolvimento da peça, pensam que medidas adotarem para preservarem sua beleza após os 50.

Esse mecanismo da atriz lançar para o público uma leitura que não foi dita por eles e nunca será, pois quem está em cena é o ator e o público é um presenciador, é uma inversão de papéis.

Este recurso do pensamento: aquilo que não é dito é o alimento do ator, que se nutre do que está por trás ou por baixo do texto, chamado de subtexto.
Creio que o comentário da Torloni não estava no texto do autor Renato Borghi, para mim, a verdade aparente é que Cristiane Torloni é uma deusa e, ao ler o que está subtendido na mente do público, reflete o reconhecimento do seu patamar de estrela, trazendo luz e fincando uma relação voyer, do que está por vir...

Julia Ferraz interrompe o espetáculo que contracenava com seu ex-marido, Leonardo Franco, quebrando a quarta parede, num acesso de fúria, encontra no cume das emoções, da partitura da personagem Medéia, a justificativa para manifestar o que estava mal-resolvido, transferindo seu ódio a ele, que cessa a discussão, mas fica cativado. A atriz é reconhecida pelo público e pela crítica, e durante o casamento houve disputa profissional com o marido, também ator, que a fez conceder algumas coisas nesse campo, mas após o fracasso do casamento ela faz um balanço de sua vida. Ao fim dessa relação ela se apaixona por uma mulher mais jovem, aspirante a atriz, que não sustenta a relação por conta do preconceito entranhado da bissexualidade e da diferença de idade.

A partir dos instintos e sentimentos da atriz, que tem uma força que pretende subverter a ordem, ao reclamar dos papéis românticos, enfraquecidos e lânguidos das mulheres na história do teatro, traz à superfície os valores morais a que estamos submetidos e faz aflorar do triângulo amoroso, o ciúme, que ultrapassa o que é convencionado nas relações humanas.

Mas a leveza da peça está na medida em que se compreende a vida como sonho ou realidade, também expressa pela idéia do teatro, na medida em que se vive uma ilusão, tudo se desfaz, mas enquanto perdurar não há dúvida da existência.


Leia as colunas anteriores de Renata Bar:

Plumas e paetês

Durante três meses

Quem é a colunista: Renata Bar Kusano.

O que faz: Publicidade e Propaganda (FAAP), uma aprendizagem em edição em vídeo e suas correlações.

Pecado Gastronômico: carré de vitela ao molho de hortelã e camarão à provençal!

O melhor lugar do mundo: debaixo d´água.

Fale com ela: rebarkusano @gmail.com ou acesse seu blog

Atualizado em 6 Set 2011.