Guia da Semana



Minha mãe é parente do Pedro Almodóvar.

Já mencionei uma vez que não tenho pretensão alguma em tecer críticas a espetáculos em cartaz na cidade, deixo isso para os meus colegas. Como minha coluna está em "Artes e Teatro" e não em "Comportamento" aproveito para usar um assunto que leve a outro. Mato dois coelhos. Recentemente vi as duas versões de Senhora dos Afogados que está em cartaz em São Paulo. Considerações sobre elas à parte, a peça é baseada na obra Electra Enlutada do dramaturgo norte-americano, Eugene O´Neill. Moema, personagem principal da peça de Nelson Rodrigues, deseja um pai vivo e odeia sua mãe que é sua principal vítima.

Assustadoramente virou assunto corriqueiro nos noticiários, manchetes de filhos que matam pais e vice-versa. Estou longe de querer discutir psicologicamente os motivos que levam um filho a odiar sua mãe, afinal nem tenho cacife pra isso. Com a proximidade do Dia das Mães acabei refletindo bastante sobre esse assunto. Aliás, muitos motivos me levaram a querer falar dessa figura que decididamente com diferenças ou semelhanças é tão importante em nossas vidas.

Ultimamente revisitei a obra de Almodóvar e não poderia deixar de lado o filme que intitula essa coluna. Uma obra-prima recheada de personagens que trazem algum significado novo, uma reflexão ou dão força para um enredo em que o drama de uma mãe que sofre com a perda de um filho comove, apesar da sinopse inusitada criada por esse mestre. Inclusive esse é um cara que entende e colore como ninguém as mulheres, principalmente as mães. As mulheres criadas por ele constroem um mundo à parte, a presença masculina não faz falta nenhuma. Mães que rendem filmes alegres, divertidos (mesmo sendo mais melodramáticos) e coloridos.

A minha, com certeza, saiu de um filme dele. Ainda é cedo, estou procurando provas, mas um dia divulgo na imprensa que existe parente direto de Pedro Almodóvar no Brasil: minha mãe.

Peço licença aos senhores, mas precisava falar dela aqui. Embora esse Gonzalez seja espanhol, sempre tive sérias dúvidas se não era mexicano, mas vendo os filmes dele tive a certeza que essa ligação existe.

Aliás ontem minha mãe me ligou chorando porque em uma das minhas colunas eu descrevia um sonho que tinha com meu enterro. Mandou-me imediatamente arrumar minhas malas e voltar pra casa, porque onde já se via isso, ficar falando da minha morte. Eu devia estar aprontando alguma. Aliás, só as ligações dela pra mim nesses oito anos que saí de casa renderiam filmes com várias continuações, tipo Guerra nas Estrelas e seriam campeões de bilheteria.

Quando não me conta em detalhes o que se passa com meus irmãos, ela me liga para:

? Dizer que eu não a amo mais porque estou há quase uma semana sem falar com ela (eu ligo todo sábado, mas ela não agüenta e me liga no meio da semana);
? Liga chorando em datas comemorativas ou aos domingos dizendo que lá em casa tem tanta comida e eu aqui em São Paulo comendo macarrão todo dia.
? Me conta suas novas amizades na academia, pois agora ela divide as atenções com o pessoal da hidro e o pessoal da musculação.

Claro que, depois de ler essa coluna ela vai dizer que eu to mangando dela e vai ficar sem falar comigo - deixa eu ver... umas duas horas -, mas minha mãe é aquela que não é perfeita mas pra mim é, que me ama sem pedir nada em troca, que me acha o mais bonito de todos, o melhor ator de todos, o melhor colunista. Minha mãe sempre usou a síndrome de Pollyana, pois, enquanto eu era adolescente, ficava puto porque não tinha crescido mais e ela falava "o Nelson Ned é menor que você!" (isso me deixava tão bem...). Nesses anos todos, ela me recebe no aeroporto, mas nunca se despede. Eu chego de viagem e no meio da minha mala sempre tem pasta de dente, sabonete e cotonete escondido no meio das minhas roupas - eu tenho um estoque. Ela guarda roupas da minha irmã quando era criancinha, as medalhas do meu irmão e os meus desenhos que eu insistia em dizer que era ela aquele monte de rabiscos coloridos.

Nunca fui um filho perfeito, tô longe de ser. Deveria ter um ranking das frases que as mães mais nos falam em vida. Uma delas seria "quando você não me tiver por perto vai sentir minha falta". Batata Nelson!

Quando está frio, quando estou doente, quando me sinto feio, sozinho ou mesmo sem motivo algum eu sinto falta dela. Quando me despeço das ligações ela diz "já vai desligar? Mas eu que liguei, eu que tô pagando, pode falar comigo!".

E pra terminar bem mexicano e melodramático nada mais original do que declarar aqui meu amor por ela. Agora depois dessa coluna ir ao ar, quero saber que filme isso vai render.

Quem é o colunista: Guilherme Gonzalez, administrador e ator do Pará para a Terra da Garoa.

O que faz: Um apaixonado pelas artes que largou a vida da administração para viver do teatro

Pecado gastronômico: culinária paraense.

Melhor lugar do Brasil: São Paulo no feriado.

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.