Guia da Semana

Foto: Leandro Pena


Para comemorar os 50 anos do Teatro Oficina, o diretor, dramaturgo, ator e representante de Dioniso na terra, Zé Celso, traz para os palcos de seu terreiro o espetáculo Macumba Antropófoga- obra que também homenageia o antropófago Oswald de Andrade.

Quem me conhece sabe que tenho um certo fascínio pelo trabalho do Zé. Desde a primeira vez que vi Os Sertões, em 2006, criei uma ligação emocional muito forte com o seu trabalho. Explico o porquê. No ano que pisei pela primeira vez na avenida Oficina, eu encontrei lá toda a liberdade que existia em mim, mas que não era possível vivenciar.

Se você conhece o trabalho do grupo, sabe do que eu estou falando. A energia e a comunicação que eles permitem existir entre o público, o espetáculo e os atores são raras. Você consegue deixar suas inibições de lado e mergulhar em um mundo sem qualquer pudor, onde tudo é permitido.

Desde então, sempre acompanhei de perto todas as peças criadas pelo diretor. E sempre divulguei para pessoas próximas porque tinha a curiosidade de como elas iriam responder a esse novo mundo. Chamei cinco amigos que jamais tinham visto nada na casa, apenas sabiam da fama do Zé. Estava confiante de que eles iriam adorar, apesar das três horas de duração.

Às 16h30, aproximadamente, a peça teve início. Entramos na avenida e formamos uma grande roda cantante. Passamos por todo o teatro e exploramos seus andares. Paramos para darmos inicio ao ritual e, logo após, invadimos as ruas do Bexiga para devorar suas preciosidades, como a Casa da dona Ya Ya e o Teatro Brasileiro de Comédia (o TBC). Uma verdadeira procissão que não se abala com todas as buzinas impacientes de carros e ônibus que esperam o fim da passeata.

No meio do caminho, em frente ao TBC, buscamos a musa Cacilda Becker que estava pronta para receber Tarsila do Amaral. Andamos mais um pouco e lá esta Oswald em seu apartamento à nossa espera.

Retornamos ao terreno localizado ao lado do teatro. Participamos de mais um ritual no qual o casal de artistas vanguardistas mergulham de vez na antropofagia. Voltamos ao número 520 da Rua Jaceguai, que se encontra mágico. A cenografia sempre é muito bem feita. Ela tem o poder de te levar para onde for. É impossível não se maravilhar com o trabalho cenográfico do grupo que, além de tudo, utiliza apenas material reciclável para compor o figurino e objetos de cena.

Mas, é quando voltamos ao teatro que tudo se complica. Quem conhece o Zé sabe que suas peças sempre falam da problemática com o empresário Silvio Santos. Há sempre nudismo e mais algumas manifestações para a preservação e investimento no bairro. Essa não foi diferente. Contudo, muitas das simbologias usadas não foram compreendidas pelo público que não frequenta o espaço.

Em muitos momentos, me senti perdida, sem saber exatamente o que estava acontecendo. Notei como alguns dos espectadores também estavam dispersos mexendo em seus celulares e conversando entre si. E acredito que o problema foi decorrente da ausência de um fio condutor que ligasse essa história de uma maneira um pouco mais nítida e compreensível.

Se, o objetivo do diretor era transformar o Manifesto Antropofágico de Oswald em peça teatral, a obra poderia ter sido melhor adaptada. Eu li o Manifesto e vi que todas as ideias estavam, sim, presentes no espetáculo. Mas, quando escrevemos um texto, temos uma liberdade de escrita que, muitas vezes, não cabe quando se cria uma peça teatral.

Na primeira hora, todo o contexto estava bem claro e cumpriu seu papel, mas as horas seguintes foram se perdendo e, infelizmente, tornando a peça cansativa. Esperei sentir-me e ser "comida" também por essa ideologia. Não queria e nem esperava uma aula sobre o que é a antropofagia, mas não pude sentir de fato sua essência. Apesar de estar presente, não ficou estampado como nós, brasileiros, somos devoradores de cultura e podemos recriá-la maravilhosamente bem.

Independente de qualquer coisa, Zé Celso tem e sempre terá sua importância no cenário teatral nacional e também na minha vida profissional e pessoal. Jamais deixarei de conferir todos os seus trabalhos. Conheci pessoas incríveis lá; vivi coisas e senti outras tantas que tenho certeza que nenhum outro lugar poderá me proporcionar isso.

Se você não conhece o espaço, o grupo e o estilo zé celsiano, não perca tempo. A peça fica em cartaz aos sábados e domingos, até 2 de outubro.

Evoé!

Leia a coluna anterior de Marília Santos:

O Eu e o cinema

Quem é a colunista: Uma pessoa que nasceu para viver várias vidas em uma só.

O que faz: Jornalista e professora de inglês.

Pecado gastronômico: Sorvete.

Melhor lugar do mundo: Meu mundo se limita ao Brasil, mas se é pra escolher, fico com Salvador.

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3: Glee e Aerosmith.

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Atualizado em 10 Abr 2012.