Guia da Semana

Foto: Renato Parada



Talvez a melhor palavra para resumir esse artista paranaense seja multifacetado. Afinal, como se referir de outra maneira ao ator, diretor, escritor, compositor e (ufa!) vocalista, Mario Bortolotto, que completa em 2010, 30 anos de carreira artística. Com mais de 50 peças escritas, sendo algumas delas publicadas em livros, o diretor mambembe viveu desde a adolescência para as artes e participou de inúmeros festivais de teatro pelo Brasil, sempre ao comando do Grupo Cemitério de Automóveis, o qual é fundador.

Premiado em 2000 com o APCA pelo conjunto da obra, é uma referência no efevercente pólo cultural da Praça Roosevelt, que ajudou a revitalizar e onde apresenta suas peças de maneira independente e estilo próprio, calcado em histórias em quadrinhos, cinema, rock e universo beatnik. O Guia da Semana resolveu bater um papo com Bortolotto, em meio a semana de debates feito em sua homenagem que aconteceu em fevereiro de 2010, no Itaú Cultural.

Guia da Semana: São 30 anos no teatro, cinema, música e literatura. Qual o balanço que faz da sua carreira?
Mário Bortolotto:
Não pensei que pudesse ficar muito tempo vivo pra contar. Para mim 30 anos é um milagre. Desde pivete eu gostava muito de ler histórias em quadrinhos, acho que o que me formou para todo o resto foram as histórias em quadrinhos. Acho tão importante quanto literatura. Se não fosse o meu tio, que me dava desde pivete, eu nunca me interessaria por arte e estaria nessa até hoje. Tanto que leio até hoje.

Guia da Semana: Além de escritor, diretor e ator, você é também músico. Como é seu trabalho com a banda Saco de Ratos?
Bortolotto:
Foi natural. Comecei a tocar violão, compor, escrever letras e poesias, então acho que acabou se transformando em uma coisa meio automática, uma coisa puxando a outra. Basta você descobrir que leva jeito pra algo, que você vai fazendo...

Guia da Semana: Nesse tempo você já escreveu mais de 50 peças de teatro. De onde arranja tempo e inspiração para tudo isso?
Bortolotto
: Não divido, vou fazendo sem planejar. Vivo intensamente para isso e trabalho o tempo inteiro pensando nisso. Desde pivete só trabalho nisso. Tanto que, depois dos 20 anos, nunca tive um trabalho com carteira assinada e até os 35 anos eu passava fome.
Foto: divulgação/My Space

Bortolotto na banda Saco de Ratos

Guia da Semana: Você atua em muitas peças que dirige. Existe uma diferença entre o Mário ator e o diretor?
Bortolotto
: Para mim é uma coisa só. Atuar acaba sendo sempre mais gostoso, mais divertido. Agora quando tem que dirigir, você tem que tomar conta dos outros, além de você mesmo. É mais complicado, penoso e dá muito mais trabalho.

Guia da Semana: Quais as dificuldades de fazer um teatro alternativo?
Bortolotto:
A dificuldade é que, dificilmente, você vai se manter com esse trabalho. O teatro alternativo tem um público mais restrito - consequentemente isso acarreta menos bilheteria - e como se mantém com o você sua arte, vai vender muito menos do que se fizesse um trabalho comercial. Mas como desde pivete optei por levar uma vida modesta, isso acaba não se transformando em um problema. Afinal, nunca pensei em ficar rico mesmo.

Guia da Semana: Que peça sua considera o trabalho de maior expressão?
Bortolotto
: Acho que a peça que mais gosto é Homens, Santos e Desertores, uma peça que me identifico, pois acho que ela é dramaturgicamente bem amarrada.

Guia da Semana: Além do teatro, você já trabalhou na direção de filmes. Qual a diferença entre dirigir uma peça e um longa?
Bortolotto
: Uma coisa bacana do filme é que, quando você faz, está pronto, acabou, não precisa mexer naquilo depois. Já no teatro você tem que fazer diariamente, ver os atores todo dia para trabalhar e fica mais complicado. Agora tem a questão financeira, é difícil pra gente conseguir produzir um filme, arranjar patrocínios com a temática que a gente queira abordar.

Guia da Semana: Você tem algum tipo de inspiração quando vai escrever?
Bortolotto
: Elas são extra teatro, caras de história em quadrinhos, escritores, diretores de cinema. No teatro mesmo, são poucos.

Foto: divulgação

Como ator, na peça Nossa Vida Não Vale um Chevrolet

Guia da Semana: Você esteve à frente no projeto de revitalização da praça Roosevelt. Como você vê a importância desse espaço para o cenário cultural de São Paulo?
Bortolotto
: Ela se tornou um pólo cultural muito importante, não só no sentido de criar teatros bacanas com uma frequência de público interessante, mas o próprio movimento teatral que vai lá para beber, se encontrar, trocar ideias nos bares e arredores. Fico muito contente de ter participado disso.

Guia da Semana: Até o final de março, São Paulo recebe cinco musicais como Hairspray, Cats, o Rei e Eu. Qual sua opinião sobre esses espetáculos da Broadway invadindo a cidade e alavancando grandes públicos, enquanto as pequenos espaços estão cada vez mais vazios?
Bortolotto
: Eu acho que não tem que investir em nada, cada um é cada um. Se você quiser ganhar dinheiro fazendo musical, tudo bem! Não tenho nada contra nenhum tipo de teatro, embora não goste de assistir, porque a temática e aquela coisa pomposa não me interessam. Eles têm quem ter o seu espaço, assim como o público que frequenta.

Guia da Semana: Para você o que falta para o teatro se popularizar no país?
Bortolotto
: O teatro não vai se popularizar, vai ficar cada vez mais difícil! As pessoas estão indo cada vez menos ao teatro para ficar em casa assistindo televisão. Enquanto não houver uma reeducação do povo, não vai dar. Eu faço teatro porque gosto de teatro, mas não tenho a menor esperança que ele vá se popularizar. Bobagem.

Guia da Semana: Você pensa em algum perfil de público quando escreve?
Bortolotto:
Não, se for pensar assim eu faria teatro comercial. Não é minha praia.

Guia da Semana: Fale sobre a sua nova peça, Música para Ninar Dinossauros, que estreia no Festival de Curitiba?
Bortolotto:
Falo sobre o pessoal da minha geração, dos anos 70, e que na verdade nunca participou efetivamente de nada porque quando teve o golpe militar no Brasil a gente era criancinha, bebezinho, e quando ficamos jovem, a ditadura já tinha caídonas. Nas Diretas Já!, éramos muito velhos para participar daquilo, pintar a cara e ir para as ruas. Na verdade é tudo muito esquisito, pois é uma geração que participou pouco e que sempre chegou atrasado.

Atualizado em 6 Set 2011.