Guia da Semana

Imagine um jogo virtual no qual você fosse pago para cumprir desafios reais. Imagine que esses desafios fossem propostos por outros jogadores, que pagaram para observar e influenciar seus movimentos. Agora, suponha que a cada missão completada você atraísse mais observadores e, quanto mais alto chegasse no ranking, mais dinheiro e fama ganharia. Tentador, não? O problema é que você não poderia recusar um desafio – ou perderia tudo o que ganhou até ali.

Essa premissa sinistra do jogador-transformado-em-peão é o que move “Nerve – Um Jogo Sem Regras”, um longa que estreia no dia 25 de agosto e que vai despertar seu lado paranoico como um filme de ação não fazia desde “Matrix” ou “A Origem”. Entre corridas de moto, luzes neon e um simpático romance adolescente, o filme dilui uma crítica alarmante ao comportamento virtual de seu público – especialmente o mais jovem, acostumado ao mesmo tempo a celebrizar-se e a anular-se em manifestações coletivas de amor e ódio, sob a anonimidade da internet.

Se você está pensando que esse enredo é muito distante de sua realidade ou que tudo não passa de uma visão pessimista sobre o mundo atual, é bom se preparar para algumas das perguntas que você provavelmente fará a si mesmo após a sessão:

1. Será que eu deveria continuar jogando Pokémon Go?

Sabe aqueles bichinhos fofinhos que você captura no caminho do trabalho para casa? Eles podem dizer mais sobre você do que você gostaria de revelar a um estranho. E conhecer os hábitos de uma pessoa torna muito mais fácil manipulá-la.

2. Alguém poderia estar acessando minha câmera do celular sem minha permissão?


E por que não? – é o que você deveria estar se perguntando. Sabe aquela história de que até o Mark Zuckerberg andou tampando a câmera do computador com um adesivo para evitar espionagem? Então...

3. Se o jogo existisse de verdade, qual lado eu escolheria?

No "Nerve", o usuário pode escolher entre ser um "observador" ou um "jogador". O primeiro paga para assistir ao jogo, comentar ao vivo e sugerir desafios. Também é ele que fica de olho nos jogadores e ajuda a captar as imagens que são transmitidas para todos os usuários, formando um reality show coletivo. O segundo ganha para cumprir quaisquer desafios que lhe sejam lançados pelos observadores, mas é obrigado a filmar toda a ação com o próprio celular (mesmo que esteja ocupado se pendurando num guindaste com uma mão, por exemplo). Por mais que você saiba que ambos são comportamentos extremos e levemente obcecados, é quase certo que você terá escolhido um lado que mais combina com você ao final da sessão.

4. Se as pessoas de fato começassem a arriscar a vida por um jogo virtual, será que a polícia, a mídia e as autoridades também fechariam os olhos?

No filme, o jogo é uma espécie de rede underground, sobre a qual ninguém é autorizado a falar (como no “Clube da Luta”). Supostamente, a polícia não sabe de sua existência e denunciá-la seria a forma mais alta de traição. Porém, lá pela metade do filme fica claro que o aplicativo virou uma febre e que seria impossível que realmente estivesse passando despercebido pelas autoridades. Na vida real, será que também escolheríamos ignorar propositalmente a situação?

5. Até onde eu iria por uns likes a mais?

Este filme não fala dos “outros”, mas de qualquer um de nós, e esse tapa na cara vai arder por alguns dias. Afinal, quem nunca publicou um texto, vídeo ou foto e depois ficou checando minuto a minuto para saber se o post foi um sucesso? Quem não se sentiu acolhido diante de um número crescente de likes, ou rejeitado após um único comentário negativo? Somos todos inseguros na internet, e precisamos constantemente de aprovação. Por isso, sem perceber deixamos que os outros determinem o que é valioso ou não entre nossas próprias memórias, e conduzam nossas vidas virtuais para um mundo de sorrisos falsos e opiniões forçadas. Como resistir a esse jogo?

Por Juliana Varella

Atualizado em 28 Ago 2016.