Guia da Semana

Foto: Divulgação


Transformar a fábula de Chapeuzinho Vermelho em uma história de terror e suspense, com atmosfera sombria e erotização dos personagens, não é uma novidade. O diretor Neil Jordan (de Entrevista com o Vampiro) já havia realizado um filme nesses moldes em 1984. Intitulado A Companhia dos Lobos, o filme de Jordan, apesar de ter ficado datado em seus efeitos e maquiagem, preserva ainda uma eficiente atmosfera sombria de pesadelo.


Com estreia nesta quinta-feira (21 de abril), A Garota da Capa Vermelha é a mais nova produção a tomar a mesma fábula como partida para uma aventura nada infantil. O filme surge como parte do que parece ser uma nova onda de adaptações "desinfantilizadas" e aventurescas de fábulas clássicas. Nesse sentido, ainda deve vir por aí João e o Pé de Feijão como uma aventura de combate a gigantes e João e Maria como uma história sombria de caçadores de bruxas.

A Garota da Capa Vermelha, desde seu material de divulgação (trailer, cartazes) indica a promessa de um visual interessante, capaz de seduzir as novas gerações, tão fascinadas pelos elementos da franquia Crepúsculo. A semelhança não é casual: a diretora, Catherine Hardwicke, é a mesma do primeiro filme da série sobre vampiros e lobisomens apaixonados, suspirosos e cheios de hormônios. Nesse contexto, o filme exercita a mesma estética e temática semelhante à da série de grande sucesso. Estão lá os personagens no vigor da juventude, cheios de ansiedades sexuais. Donos de uma vibrante beleza juvenil, confrontam-se com seus instintos, sonhos românticos e paixões desenfreadas.

Valerie (Amanda Seyfried) vive com seus pais em uma vila que há duas gerações é aterrorizada por um lobo. No entanto, um pacto entre os moradores e a fera faz com que os ataques a pessoas sejam interrompidos em troca de um animal como oferenda em noites de lua cheia. Quando o pacto é quebrado e uma garota da vila é morta, os moradores decidem caçar o lobo, o que desencadeia mais mortes e revelações que afetarão profundamente a vida dos moradores.

O filme pode agradar aos fãs do universo de Crepúsculo, dada as inevitáveis semelhanças. Mas A Garota da Capa Vermelha tem falhas primárias na construção de sua narrativa e no enlaçamento de seus personagens. Apoia-se em um roteiro simples que, embora crie uma certa tensão e expectativa, acaba por resolver os desenlaces apresentando motivações discutíveis.

Com os personagens, o que mais incomoda é a superficialidade com que são colocados dentro da trama. Além de pouco elaborados, sem qualquer profundidade dramática ou emocional, ainda reagem a grandes revelações com alguma inexpressividade, como se fosse comum e cotidiano descobrir segredos de família. A narrativa é atropelada, os acontecimentos se sucedem sem tempo para a absorção de suas consequências. Amanda Seyfried, um dos rostos mais bonitos da nova geração de Hollywood, não convence como uma assustada garota, vítima perseguida por uma fera sobrenatural.

O filme consegue algum sucesso na direção de arte, embora explore muito mal o potencial simbólico das cores e dos contrastes do cenário. Ambientado em uma floresta invernal, com neve por todos os lados, o contraste entre o vermelho vivo da capa de Valerie e a brancura da neve poderiam ser elementos sutis do conflito entre a pureza e a inocência - articulados com violência e mistério - contra o pecado e a perda dessa inocência.


Quanto aos efeitos especiais, a figura do lobo deixa a desejar. Em suas aparições, de onde se podia esperar uma ação visceral intimidante, o afastamento da câmera acaba por esvaziar esse efeito. Assim, a criatura que deveria ser assustadora pela construção mítica do medo (vide A Vila, de M. Night Shyamalan, como ótimo exemplo disso) se torna apenas uma fera violenta e descontrolada. Com isso, perde-se qualquer possibilidade de nuance, que tornaria a fera em um predador astuto, à espreita de sua presa, transformando expectativa em suspense e terror.

No geral, sobra apenas o mistério da última grande revelação, que explicará todos os acontecimentos inesperados que pontuam a narrativa. E, para quem gosta de torcer pela mocinha e pelo herói, tem também o romance, com seus percalços e dramas. Algo que pode servir como linha de interesse e empatia do público jovem.

Para uma história com potencial cênico, dramático e lúdico, A Menina da Capa Vermelha é uma decepção, pois deixa de lado grande parte desse potencial e realiza um filme de fracas emoções e nenhuma nuance.

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Batman e as HQs no cinema

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Atualizado em 6 Set 2011.