Guia da Semana

Procurando um filme para dar uma risada ou duas enquanto esvazia a mente numa sexta-feira à noite? Talvez “Tinha que ser ele?” seja o título perfeito para você. Tolo e escatológico, porém com algumas boas sacadas, um olho afiado para a atualidade e interpretações confortáveis de Bryan Cranston e James Franco, a comédia se aproveita de um dos maiores clichês do gênero (o do sogro que vai conhecer o genro pela primeira vez) para brincar com o idealismo dos jovens milionários do Vale do Silício e com o conflito entre a geração do papel e a digital.

Cranston, no caso, vive o sogro infeliz: um homem que fez sua carreira no mercado editorial impresso e, agora, está à beira da falência diante da concorrência de jovens empreendedores do universo digital. Já Franco é Laird, o bem-sucedido desenvolvedor de games e aplicativos que construiu uma fortuna e uma mansão sem precisar, ao que parece, levantar um dedo. Em meio aos dois extremos, estão a filha/namorada Stephanie (Zoeu Deutch), a esposa/sogra Barb (Megan Mullally) e o filho/cunhado Scotty (Griffin Gluck). Todos genéricos e dispensáveis, porém úteis em algumas piadas pontuais.

O que realmente faz valer (pelo menos um pouco) o passeio são os detalhes hipster-tecnológicos-retrô da mansão e da rotina de Laird. Tudo o que surgiu nos últimos anos como ideal de vida para a geração de 20 a 30 anos, aqui é exagerado ao extremo e revela um lado absurdo, senão um pouco sinistro.

Seus funcionários moram no escritório (que, na verdade, é sua casa); seus alimentos são cultivados no próprio terreno (mas retorcidos na forma de “culinária molecular” até perderem qualquer semelhança com a natureza); seu ambiente de trabalho é uma oca forrada com peles de animais e almofadas (onde ele faz seu “brainstorming” sozinho); suas privadas são tão modernas que é preciso um tutorial para utilizá-las; a mansão é 100% “livre de papel”; o mordomo é chamado de “gerente” e surpreende o chefe com ataques violentos para testar seus reflexos; e tudo isso acontece sob o olhar atento da simpática Justine – uma inteligência artificial que regula todos os recursos da casa, dá dicas aos visitantes, faz as vezes de secretária e tem a voz de Kaley Cuoco (“The Big Bang Theory”).

O que parece fora de lugar nesse besteirol moderninho é, realmente, a relação entre os dois protagonistas. Não que eles não tenham, cada um à sua maneira, ótimos momentos, mas, juntos, fazem emergir algo mais pesado e preocupante. Ao invés de tentar conquistar o sogro, o jovem que representa toda uma geração parece querer atropelá-lo como uma antiguidade, humilhando-o em todas as oportunidades possíveis debaixo de uma máscara inocente e infantil. Talvez seja sintomático que, em outras comédias com o mesmo tema, o dono da situação tenha sido sempre o sogro – mas não mais. Em tempos de apps e instas, faz sentido que Hollywood perceba que a experiência não é mais sinônimo de poder.

“Tinha que ser ele?” é dirigido por John Hamburg (“Eu te amo, cara”) e chega aos cinemas no dia 16 de março.

Por Juliana Varella

Atualizado em 14 Mar 2017.