Guia da Semana

Foto: divulgação/ Os Inquilinos

Em Os Inquilinos, Caio Blat interpreta rapper que estuda em um colégio de periferia


Evandro é um rapper ligado à cultura hip hop, morador da periferia correndo atrás de uma vida melhor. Zeca, 30 anos, escritor sem ambição, vive com sua namorada, mas é um eterno dependente dos pais. Já Macu, moleque envolvido com a criminalidade, resolve sequestrar uma criança para se dar bem. O que essas figuras têm em comum? Todos são personagens interpretados por Caio Blat, que até julho estará nas telas em cinco obras da dramaturgia nacional.

Com 30 anos, o ator soma 10 novelas, 15 filmes, além de minisséries e tablado. Na expectativa do lançamento de Histórias de Amor Duram 90 Minutos (12 de março), o ator vê no filme o seu primeiro trabalho em que atua como alguém da sua idade. Confira o bate papo que o Guia da Semana teve com Caio, que faz uma análise da sua carreira, do cinema e do estereótipo de rosto jovem.

Guia da Semana: Até julho, você entra em cartaz em cinco longas: Os Inquilinos (fevereiro); Histórias de Amor Duram 90 Minutos (12 de março); As Melhores Coisas do Mundo (abril); Bróder (maio)*; e ainda O Bem Amado (julho). Como se sente trabalhando com vários diretores em um tempo tão curto?
Caio Blat:
Eu procuro distribuir bem o meu trabalho, trabalhar com pessoas e diretores com visões diferentes, isso o torna muito mais rico. Eu tive um privilégio de atuar com alguns diretores que estavam no topo da minha lista de desejo de consumo, como a Laís Bodansky, que é inteligentíssima e sensível; o Bianchi, que tem um ponto de vista muito forte, pessoal, controverso, chamando as pessoas para se questionarem. Fora que o filme do Bianchi foi para mim um laboratório para o longa de Jeferson De ( Bróder!), porque o longa dele apresenta diálogos escritos pelo Ferrez. Já no do Bianchi, discuto na sala de aula um texto do escritor. Na estréia de Os Inquilinos, Ferrez comentou que realmente representei a rapaziada da periferia naquela discussão sobre a violência e tal.

Guia da Semana: O que te chamou atenção em Os Inquilinos?
Blat:
Estava lendo um texto do Ferrez na preparação de Bróder, aí surgiu o convite de fazer um personagem em Os Inquilinos. Foi uma sincronia. O personagem que o Bianchi construiu, do homem que aceita tudo, passivo, cordato, é um retrato do brasileiro. Acho ele um grande analista da nossa sociedade, um grande observador. Admiro seu trabalho porque ele produz sempre em condições difíceis de filmagens.

Guia da Semana: Que tipo de preparo você teve nesses dois para fazer os papeis?
Blat:
Enquanto estava fazendo o Bróder!, fiquei muito tempo no Capão Redondo, inclusive aluguei uma casa lá. E conforme ia ganhando aquelas referências e experiências, ia construindo o personagem. Acho que vai ser um dos grandes trabalhos da minha vida (reflete). O engraçado é que muitas pessoas que viram o filme na ilha de edição não me reconhecem nos primeiros 10 minutos. Eu estou com uma imagem muito forte, cabeça raspada, mochila, barba, a própria atitude física, a voz, uma coisa bem de Febem, bem de moleque. O filme mostra o limite que a molecada vive na periferia de São Paulo, que ou vai ser um 'fudido', trabalhar muito e pegar três horas de ônibus por dia pra ganhar uma miséria, ou entra no crime, que é um caminho fácil, mas de curta duração.

Foto: divulgação/ Histórias de Amor Duram 90 minutos

No filme Histórias de Amor, Caio atua em seu primeiro filme com a idade real

Guia da Semana: Como foram as filmagens no Capão, uma região de São Paulo com alta criminalidade?
Blat:
É um lugar mítico, pois é a sede da violência, do movimento social de protesto tão forte, que é o rap paulista; é também a dos Racionais, que para mim talvez seja um dos maiores líderes negros do país, desde Zumbi. O Mano Brown teve com a gente o tempo todo ajudando durante as filmagens, conversando, trocando idéia. Ele não quis se envolver diretamente, pois é uma coisa corporativa da Globo Filmes, mas ajudou porque é um filme que representa o bairro, escrita por um brother dele, o Ferrez. Inclusive indicou vários moleques para participar e liberou várias músicas para a trilha sonora.

Guia da Semana: Em Histórias de Amor Duram 90 Minutos, você vive um personagem imaturo, que não quer saber nada com a vida. Como foi desenvolver esse papel, contraponto a temática dos outros filmes?
Blat:
Um privilégio. É um tipo de filme que todo ator sonha em fazer na vida, que é estar o tempo inteiro com a câmera na sua cara para você não precisar interpretar e deixar a câmera te registrar, sem esforço nenhum. Consegui desenvolver um trabalho de uma maneira mais longa, mais intimista. Desde o início adorei a ideia de fazer com a minha mulher (Maria Ribeiro), colocar a nossa relação em função do filme, usar nossa intimidade pra dar textura a história. Esse filme é muito naturalista, porque tem um ponto de interpretação muito espontâneo. Inclusive o tempo inteiro a gente jamais se referiu ao roteiro, improvisava as falas, o que vinha na cabeça. Enquanto tivesse natural o Paulo Halm estava adorando.

Guia da Semana: Trabalhar com a sua mulher facilitou a história?
Blat:
Sim e não, porque ao mesmo tempo em que a gente tinha uma intimidade grande para oferecer ao filme, muitas vezes ficávamos constrangidos. É claro que enriquece muito e hoje, olhando o filme, temos muito orgulho. Mas a gente teve que trabalhar com ciúmes, traição - que é a temática do filme -, então é uma coisa muito delicada. Mas estamos muito orgulhosos de termos feito esse registro.

Guia da Semana: Você teve referências de outros filmes para compor a história?
Blat:
Eu acho que Histórias de Amor é um filme que deve muito em paternidade as comédias românticas do Woody Allen e Domingos de Oliveira. Outras referências são os longas Vicky, Cristina e Barcelona (2008) , Os Sonhadores (2003) e principalmente Paris (2008), porque a gente tentou buscar essa displicente narrativa francesa. É um nível de muita maturidade de interpretação e ganhamos muitos prêmios por isso.

Guia da Semana: Você prefere trabalhar na televisão ou no cinema?
Blat:
Não é uma questão de preferência, é campo de trabalho. A minha arte eu posso levar para vários lugares. Sou basicamente um ator de teatro, apaixonado pelo tablado e estou lá o tempo inteiro. Amo fazer televisão, acho um veículo sensacional de comunicação com o público. Fazer televisão é uma missão, uma coisa muito forte, levar o nosso trabalho para tudo que é canto abre muito o horizonte para o ator. E o cinema é um privilégio, um luxo, um trabalho artesanal, super cuidadoso e delicado.

Foto: divulgação/ Histórias de Amor Duram 90 minutos

No Histórias de Amor, Blat vive ao lado de sua mulher, dilemas comuns de casais, como ciúme e traição

Guia da Semana: Nessas novas produções, você adota papeis de personagens mais maduros, como em As Melhores Coisas do Mundo e Histórias de Amor Duram 90 Minutos. A que isso se deve?
Blat:
A televisão fica sempre tentando me rejuvenescer, aproveitar minha cara de garoto e prefere que eu faça sempre faça esses papeis. Nessa safra de filmes que está vindo agora são os primeiros trabalhos que respeitam minha idade real. Talvez Histórias de Amor tenha sido o primeiro filme que fiz um personagem adulto, um homem casado. Já no filme da Laís ( As Melhores Coisas do Mundo), deixo de ser aluno para virar professor. Têm cineastas que já me enxergam como tal e não somente como um personagem bonitinho e jovenzinho. Então é muito bom contar com diretores que já estão observando o meu momento e minha maturidade.

Guia da Semana: Qual a expectativa para esses filmes?
Blat:
Eu acho que o grande desejo do artista de cinema é ser popular. Eu estou sentindo que nele a gente pode realizar esse sonho de montar um filme pequeno, de baixo orçamento e conseguir fazer bilheteria. Hoje em dia é difícil levar o jovem pro cinema, então tem que conseguir falar a língua dos jovens.

Guia da Semana: O que um papel precisa ter para chamar a sua atenção?
Blat:
O fundamental é o desafio.

Guia da Semana: Você já recebeu convites ou pensa em fazer filmes fora do Brasil?
Blat:
Infelizmente acabei de recusar um convite de um projeto maravilhoso na Itália, do Vicente Ferraz, um cineasta brasileiro que vive em Cuba. Ele vai fazer o filme sobre os pracinhas brasileiros que lutaram na Segunda Guerra. Já tive convites para filmar na Argentina, mas não deu. O meu grande sonho é me tornar um ator latino. Mas acho que a nossa língua nos separa muito dos países vizinhos.

*Previsto para maio, o longa foi adiado para novembro de 2010

Atualizado em 1 Dez 2011.