Guia da Semana



A vitória de Guerra ao Terror no último Oscar me fez pensar em filmes de guerra. Os EUA parecem ter uma guerra para cada geração. E a maneira como cada uma dessas gerações lida com a "guerra do seu tempo" pode dizer muito sobre olhar que cada uma delas lança sobre si mesma. E o cinema certamente é a lente angular de cada um desses tempos de guerra e suas gerações.

Com esse gancho, voltei alguns anos no passado e lembrei-me de um grande filme de guerra, uma guerra de outra geração, a guerra do Vietnã. Trauma superado pelos EUA nos dias de hoje, essa guerra foi fartamente analisada pelo cinema norte-americano. Entre o desconsolo e o patriotismo a América parecia querer olhar para dentro de si mesma, através da memória e do expurgo da guerra perdida. Uma tentativa quase sempre ingênua de compreender o que de fato havia acontecido e que lição aquilo poderia trazer. Ou simplesmente, quase sempre também, exaltar o heroísmo patriótico como consolo pela vergonhosa derrota.

Contudo, apesar de tantos filmes sobre o assunto, poucos buscaram um mergulho realista e isento. Na sua maioria eram fantasias ufanistas e banais, ressaltando o heroísmo dos soldados americanos por trás de uma vilania fabricada do inimigo. Outros, porém, se destacavam pelo olhar sobre os absurdos da guerra, penetrando no subconsciente do conflito, no seu lado mais obscuro, como a excelente e memorável epopéia de Francis Ford Coppola: Apocalypse Now.

Mas nenhum filme foi tão fundo no realismo, tão dentro da ferida, quanto Platoon, de Oliver Stone.

Lançado em 1986, Platoon trouxe para o cinema talvez a mais verdadeira história de guerra de seu tempo, sem maquiar o conflito e nos jogando para dentro de sua mais franca objetividade: a falta de sentido. Se em Apocalypse Now Coppola já pincelava o absurdo da ausência de sentido com as cores fortes da esquizofrenia da guerra e seu lado mais lisérgico, em Platoon Oliver Stone a revela inteiramente real, desconcertante e crua.

A percepção dessa banalidade bélica é mostrada pela "queda" de Chris (Charlie Sheen). Chris é o novato que chega ao pelotão, um soldado voluntário, de família abastada, que larga os estudos para defender seu país sob o mais puro idealismo patriótico. A "queda" desse soldado e de seus ideais se dará não pela simples descida ao inferno, mas pela forma como a guerra, em sua natureza mais intrínseca, o arrastará ao lodo do que há de mais sujo dentro do ser humano.

Gradativamente, Chris irá perder sua inocência e tomar consciência da realidade de uma guerra, enquanto seus ideais se esfacelam frente a vivência do combate, através do qual percebe que a verdade vive dentro da completa ausência de verdades.

E quanto mais fundo Chris desce na lama da humanidade, mais se vê como parte dela, chafurdando junto aos companheiros, sem mais distinguir humanos de bestas, sem mais distinguir o certo do errado. Ali, o que há é o horror. Horror que se manifesta na violência, no ódio, no abuso e na explosão da bestialidade humana. O que ocorre frente aos olhos de Chris é a desmistificação de qualquer ilusão. É a secura da realidade, da natureza humana e de sua animalidade latente, que vêm à tona em atos de covardia e sadismo.

O filme conta ainda com atuações marcantes de Willem Dafoe e Tom Berenger como dois sargentos antagônicos em métodos e perspectivas de guerra, além da atuação excelente do próprio Charlie Sheen.

No final, Platoon explica-se naquilo que não tem explicação, justamente por explorar a visão de dentro do combate e do dia a dia da guerra, transpondo para o expectador a mesma impressão dos soldados: a de absoluta falta de sentido. É um filme que não nos poupa do horror e deixa claro, mesmo sem dizer claramente, que muito mais do que as palavras finais que definem a guerra em Apocalypse Now, de Coppola: o horror, o horror; em Platoon o que ouvimos de dentro do filme é também a síntese de toda e qualquer guerra: o vazio, o vazio...

Platton é um filme marcante, com atuações memoráveis de Willem Dafoe, Tom Berenger e Charlie Sheen. Um filme que merece ser visto e revisto. Pois se a guerra de que ele fala pode parecer datada, a maneira como ela se repete parece não ter data para terminar. No cinema está a aprova disso, com a vitória do ótimo Guerra ao Terror, que fala da guerra, mais uma vez, para outra geração.

Leia as colunas anteriores de Rogério de Moraes:

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Um musical para sempre

Encher os olhos

Quem é o colunista: gordo, ranzinza e de óculos.

O que faz: blogueiro, escritor e metido a crítico de cinema.

Pecado gastronômico: massas.

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Atualizado em 6 Set 2011.