Guia da Semana

Foto: Leonardo Filomeno



Guia da Semana: Onde você estava quando recebeu a notícia de que seu filme foi escolhido para a seleção do Oscar?
Sergio Resende:
Estava em casa quando o pessoal da divulgação me ligou dando os parabéns sobre o anúncio. Enquanto ligava a TV, um jornalista de um canal à cabo já tinha ligado e me fez entrar no ar ao vivo, não deu nem pra dar um beijinho na mulher. Tudo isso só por uma indicação. Fico imaginando o dia em que algum brasileiro ganhar esse negócio, coitado desse cara!

Guia da Semana: A estreia está marcada para 2/10, data em que o massacre do Carandiru faz 17 anos e um dia depois do começo do julgamento do Marcola (um dos líderes do PCC)? É uma coincidência ou foi proposital essa data?
Sergio:
Completamente por acaso. Essa história do julgamento só foi passada para nós depois que um jornalista do Estado de S. Paulo assistiu a primeira cabine. Acho que pode aumentar o debate sobre isso, porque o que aconteceu naquele fim de semana foi uma guerra particular daquelas organizações contra o aparelho do Estado. Houve ônibus queimados, pânico na população, ameaças de bomba, mas eram notícias de uma guerra particular daqueles dois grupos. É claro que acabou envolvendo a população, mas não é como um atentado em que o terrorista coloca uma bomba no metro e mata 100 civis. Isso serviu para a população abrir o olho e saber que não adianta jogar a sujeira para debaixo do tapete. As condições que geravam aquilo continuam presentes e pode pipocar, como aconteceu em Salvador, a qualquer momento.

Guia da Semana: Qual foi o critério de escolha do elenco? Porque não optou por atores consagrados?
Sergio:
Já fiz filmes com estrelas da televisão como Vera Fisher, José Wilker, Paulo Betty, Marieta Severo, Malu Mader, Patrícia Pilar, etc. Voltarei a fazer porque para mim não é demérito. Preciso dos grandes atores e vivo do trabalho deles, mas nesse filme eu queria grandes atores que não fossem tão reconhecidos do público, para não acabar com o mistério do filme criando uma identificação imediata, como o galã e o cara mal. Por isso optei pela cena teatral paulista.

Guia da Semana: E essa abordagem de uma classe média oprimida. A Andréa é uma professora que poderia ser uma vizinha nossa e agora dialoga com o outro lado da sociedade.
Sergio:
Eu queria fazer uma personagem que fosse eu mesmo, o meu olhar de classe média nesse mundo. Pelas circunstâncias ela é forçada desde o início a ver o mundo de uma outra maneira. Ela é uma mulher sozinha e tem que se virar. Diferente da Zuzu Angel, que tinha uma certa pureza, a Lúcia prefere jogar o jogo. Ela tem uma certa humanidade de pecar.

Foto: divulgação


Guia da Semana: O filme defende a posição de que houve um acordo entre o governo e o PCC para que os ataques cessassem. Porque você defendeu esse lado?
Sergio:
A negociação com os presos foi a melhor coisa que o governo do Estado fez naquele momento. Isso pra mim não é uma acusação e sim um elogio. Isso foi um ato de bom senso do governo, pois não havia outra coisa a fazer. Embora eles não possam assumir, não fui eu quem inventou. Isso foi amplamente divulgado na imprensa naquele momento.

Guia da Semana: Como você imaginou a construção do filme?
Sergio:
Pensei em fazer um filme cubista, colocando vários pontos de vista. Tem o ponto de vista dela como o de um monte de outros personagens.Todo mundo tem os seus motivos e as suas razões. Nós somos assim, feitos dessa matéria, capazes das maiores baixezas e, eventualmente de gestos que nos dignifica. Para a montagem e o roteiro pensei em uma situação da minha infância, quando fui ver uma partida entre o Botafogo e o Ponte Nova (Minas Gerais). O time mineiro era adepto as firulas e jogadas de efeito, a platéia ia ao delírio. Já o botafogo tinha aquele futebol objetivo e não muito plástico. No final do jogo o placar marcava 10 a 0 para o Botafogo, mas o adversário tinha dado um "puta" show. Falo isso porque no filme pedi para não inventar, vamos com a bola e chutar em gol. Não pensei em fazer o melhor plano sequência, ser mirabolante e tudo mais. Vamos tocar as pessoas com as coisas simples, sem fazer graça. Vamos jogar o jogo.

Guia da Semana: A sua filmografia é marcada por personagens históricos, ou filmes de ficção bem pessoais. Como foi lidar com essa realidade tão próxima e contemporânea?
Sergio:
A estrutura dramática desse filme é muito próxima de Canudos. Este tinha uma estrutura ficcional que é a família - Paulo Betti, Marieta Severo, Cláudia Abreu - no meio da tempestade, que é a guerra em si. Salve Geral tem um núcleo familiar envolvido em uma coisa maior e que vai costurando aquele negócio. O fato de ser contemporâneo ajudou loucamente, dando muito mais liberdade em um milhão de coisas, como as câmeras. Quando você faz um filme histórico, ela fica meio aprisionada, pois você tem um cenário restrito para fazer a cena, se mudar o ângulo pode aparecer um carro que não era da época ou um outdoor. Outra coisa é a pesquisa. No Salve Geral, se eu coloco o tema na internet, você fica dez anos lendo matéria, colunas e coisas.

Guia da Semana: Quero saber se o fato de você não morar em São Paulo e nem ter vivido esse dia ajudou na construção do roteiro?
Sergio:
No fundo acho que isso não tem muita importância. Não é pelo fato de não viver em Roma que você não pode falar de Nero. Quando fiz O Homem da Capa Preta, tinha vivido nos anos 50; depois o Lamarca, que já estava morto; Canudos foi há 100 anos. Não vejo uma necessidade de aproximação. Lógico que esse ajudou por estar mais quente, então todo mundo poderia me dar dicas. Mas cinema é construção, é roteiro, é imaginar. Até acho que o credito do diretor não devia ser "dirigido por", mas "imaginado por", no sentido de ver coisas na sua cabeça e no sentido de transformar as coisas em imagens.

Foto: Leonardo Filomeno

Em entrevista, Sergio Resende, com Miguel Briamonte ao fundo

Guia da Semana: No filme você assume alguns posicionamentos e poderá ser questionado. Você está preparado para isso?
Sergio:
Eu tenho um pequeno sentimento de desconforto com esse negócio, porque eu vejo, por exemplo, que existem muitas polícias e se elas fossem essa porcaria que todo mundo diz, bandido estava tomando cerveja no Guarujá. É evidente que se a polícia fosse inepta os presídios estavam vazios, ninguém era preso, o que não acontece. O problema é que, ao mesmo tempo em que tem essa polícia que trabalha, tem a parte corrupta e despreparada. Por outro lado, isso é geral, não é só São Paulo ou Brasil, o caso Jean Charles é uma prova disso.

Guia da Semana: Em que essa indicação pode favorecer o seu filme?
Sergio:
Para o público brasileiro foi uma coisa extraordinária, pois apesar de estar aqui em São Paulo, vai ser visto no Brasil inteiro. E a visibilidade nos outros estados era muito pequena, e o anúncio causou um efeito extraordinário no mercado brasileiro que é pra onde eu faço filme. Minha onda é dialogar com o público brasileiro. Isso é real. O Oscar é uma quimera, fantasia. Eu não sei como é isso, mas acho que vamos ganhar, agora o porque eu não sei! São 150 países indicando filmes para os membros da academia. Sei lá quem são esses membros, mas vamos jogar o jogo.

Guia da Semana: Qual foi a estratégia para colocar o seu filme como um dos representantes sem mesmo estrear no cenário nacional?
Sergio:
Isso é até uma coisa corriqueira em outros lugares, como nos EUA. Os filmes são lançados em poucas cidades para se credenciar. Aqui mesmo, no ano passado, o Última Parada fez isso. Tem uma norma que você precisa estrear, por isso nós estamos em cartaz em Taubaté. Quando fizemos Canudos, Mauá e Zuzu Angel, nós fizemos o mesmo.

Guia da Semana: Como você definiria a importância do filme para retratar a realidade? Sergio: A ficção acaba sendo muito mais reveladora do que o fato, porque o fato pode ser uma coisa banal que qualquer noticiário oferece. Agora trabalhar com o simbólico causa muito mais surpresa e toca ainda mais. A arte encanta pelo imprevisível e inevitável. O roteiro nada mais é do que uma sucessão de "e aí" combinado com um "ah, tá". O filme começa e você diz: "e aí?", continua a narrativa e os "e aís" aumentam até chegar no fim, com um "ah, ta!". Se parar essa dinâmica o cara vai para o banheiro ou começa a agarrar a mulher do lado, então o negócio é você manter o suspense no filme todo até chegar a um final com sentido.

Guia da Semana: Você tem algum projeto para lançar no circuito internacional? Sergio:
Não tenho a mais remota ideia de como essa banda toca. Na sexta-feira (18/9), quando fui indicado alguns diretores brasileiros até me ligaram, como o Bruno Barreto e o Cacá Diegues. Quando acabar esse tumulto vou me informar melhor.

Atualizado em 6 Set 2011.