Guia da Semana

LOS ANGELES - Hello, Stranger começa de modo simples, com tomadas de árvores e uma pequena vila no Vietnã. Alguém grita por uma jovem desesperadamente. Não a encontra, grita seu nome e se cala. Mudamos rapidamente para a Coréia do Sul, onde um grupo de dissidentes do Norte termina seu curso de adaptação ao "novo mundo" do capitalismo e dos hábitos mais evoluídos. E é pela ótica desses imigrantes que o público é apresentado a Seul e à sensação claustrofóbica vivida por uma pessoa que não tem sequer a noção do que é um caixa eletrônico ou uma megastore.

Curiosamente, a primeira impressão técnica chama a atenção, especialmente pelo hábito de acompanhar a qualidade de equipamentos e filmes utilizados no Brasil. Uma imagem crua, pela ausência de tratamento e certa deficiência do material dá um ar de filme amador da década de 70. Tudo isso combina, porém, com o olhar de quem vê tudo pela primeira vez. Ainda sem amadurecimento suficiente e conhecimento necessário para enfrentar esse novo mundo - capitalista, no caso do personagem; e tecnológico, pelo lado da produção.

Jon-woon é o personagem principal. Vindo do Norte, onde deixou toda a família, é um sujeito simpático, simples e bondoso, acima de tudo, mas é inocente ao extremo. Em sua jornada, ele conhece uma dissidente que trabalha como taxista e, selando seu destino, um imigrante ilegal do Vietnã - a voz desesperada do início da projeção.

A direção e roteiro de Kim Dong-hyun, porém, não permitem que o filme seja um mero drama sobre imigração. Há muito bom-humor e sentimentalismo envolvendo a introdução de Jon-woon a sua nova pátria. O personagem é carismático e altruísta - em excesso, em certas ocasiões. Esse exagero sinaliza uma das deficiências do filme, pois não permite decisões medianas ou mesmo a inabilidade de decidir, tudo é sempre intenso e rapidamente resolvido. Um instinto pró-ativo comanda a obra.

Imigração pode soar como o tema primário, entretanto Hello, Stranger é essencialmente um filme sobre a comunicação e as mazelas provocadas por sua ausência ou complicações. A realidade da Coréia do Sul não representa nada para Jon-woon - sua grandiosidade assusta - e seus códigos de conduta o sobrecarregam. Logo de cara, em seu primeiro dia como cidadão, ele se perde. Sai de casa sem o endereço e não consegue voltar. Embora tenha seu conteúdo dramático, as seqüências são engraçadas. Já o vietnamita não fala coreano, é explorado por um patrão mau-caráter e fica sem dinheiro. Recorre a um roubo para tentar, numa última carga gloriosa, encontrar a namorada.

Os dois se reúnem e improvisam uma comunicação que permite a Jon-woon entender a situação parcialmente e ajudar o garoto desesperado. Daí para frente, segue uma série de confusões de interpretação. Um não entende as reais razões do outro, descobre-se o paradeiro da namorada - uma entre tantas noivas vietnamitas vendidas para trabalhadores em vilas distantes - e uma das cenas mais marcantes. Num quarto de hotel, tarde da noite, os dois expõem mais ainda as dificuldades de comunicação ao tentarem se consolar, em línguas diferentes, deduzindo erroneamente a situação do outro e abrindo a ferida da dor causada por suas decisões. Bela mistura de humor e bom drama.

Embora tenha uma assinatura visual empobrecida, o filme promove um passeio por Seul e várias regiões próximas, mas se constrói nos momentos intimistas dos personagens e na boa atuação de Park In-soo (Jon-woon), que transborda de emoção e carisma.

Hello, Stranger foi meu segundo contato com o cinema sul-coreano. O primeiro foi O Hospedeiro, competente filme sobre monstros e grande surpresa nas bilheterias brasileiras. Duas obras distintas em gênero e qualidade técnica, mas que mostram uma escola esforçada, com bons resultados e profissionais capacitados. Vale a pena ficar de olho.

Hello, Stranger (Cher-eum Man-nan Sa-ram-deul, Coréia do Sul, 2007, 113min) foi visto durante o Los Angeles Film Festival e o repórter teve a oportunidade de conhecer o diretor Kim Dong-hyun, sujeito pacato que se orgulha de seu país e valoriza a disposição e garra dos dissidentes que lutam bravamente para tentar uma vida nova.


Quem é o colunista: Fábio M. Barreto adora escrever, não dispensa uma noitada na frente do vídeo game e é apaixonado pela filha, Ariel. Entre suas esquisitices prediletas está o fanatismo por Guerra nas Estrelas e uma medalha de ouro como Campeão Paulista Universitário de Arco e Flecha.

O que faz: Jornalista profissional há 12 anos, correspondente internacional em Los Angeles, crítico de cinema e vivendo o grande sonho de cobrir o mundo do entretenimento em Hollywood.

Pecado gastronômico: Morango com Creme de Leite! Diretamente do Olimpo!

Melhor lugar do Brasil: There´s no place like home. Onde quer que seja, nosso lar é sempre o melhor lugar.

Atualizado em 6 Set 2011.