Guia da Semana

De Los Angeles


A retomada de George Lucas a sua maior criação depois do final da Trilogia Clássica foi marcado por um problema: a ausência de "guerra" em Episódio I. O título de Guerra nas Estrelas sempre pressupôs a presença marcante de batalhas, conflitos e uma boa dose de explosões nos filmes anteriores e foi um dos fatores que causou frustração e prejudicou a bilheteria do filme. Lição vivida, lição aprendida. Com isso, ação e ritmo militar não faltam ao novo Star Wars: The Clone Wars, primeiro filme animado ambientado nesse universo. Porém, a tarefa não é simples, uma vez que seu objetivo é definir um novo ritmo, que será seguido na série de TV que estréia no final do ano. E tudo isso é extremamente arriscado, para personagens e equipe de produção, afinal, tudo é novidade, e novidades são incertas.

Embora a micro-série realizada em parceria com o Cartoon Network tenha iniciado esse processo, o trabalho de Gendy Tartakovski (O Laboratório de Dexter) foi apenas um tubo de ensaio para um projeto mais ambicioso: uma série semanal. Seu episódio piloto acabou indo parar no cinema e estréia nesse fim de semana no mundo todo e já divide opiniões. Seja por conta do novo formato ou pelo próprio estilo de direção - longe das mãos de George Lucas -, Star Wars: The Clone Wars terá uma vida difícil, mas não por falhas e sim pelo alto nível de exigência de sua imensa legião de fãs.

Tudo é diferente, a começar pela sensação nova de não ouvir a fanfarra da Fox, que foi preterida pela LucasFilm, que escolheu a Warner Bros. para ser seu novo braço cinematográfico. Para o público é um mero detalhe, mas acaba por ser o primeiro elemento que o difere dos demais longas-metragens da saga. Em seguida, para sacramentar o clima de novidade, o logotipo da LucasFilm toma a tela, entretanto, no lugar do tradicional som da companhia, ouvem-se comunicações de rádio em situações de combate aéreo, comuns em filmes e documentários do History Channel. O trio de sinais é completado quando o Star Wars Main Theme, composto por John Williams, entra em cena, mas em ritmo de marcha militar. Sem sutilezas. Passo marcado e direto, digno de parada de 7 de Setembro.

Nesse ponto, o clima está devidamente construído e definido. O espectador tem um filme de guerra pela frente. E acerta em cheio nesse objetivo, uma vez que acompanhar as batalhas de Obi-Wan Kenobi e Anakin Skywalker durante o conflito que os imortalizou é uma ótima experiência e o filme segue firme nessa proposta. Os personagens principais fazem tudo que se espera deles, então não surpreendem, mas a inovação está em suas tropas: os clone troopers.

Ao contrário dos soldados "bucha de canhão" desprovidos de emoção e qualquer sentido de auto-preservação retratados nos filmes, os clones de Star Wars: The Clone Wars comportam-se como seres vivos. Temem pela vida, tem personalidade e partem para a batalha cheios de adrenalina e ímpeto. Recrutado das inúmeras fileiras de fãs, o diretor de animação David Filoni reforça o conceito de que seus clones se tornaram soldados de verdade, no intuito de humanizar esse conflito e dar mais importância dramática aos combates. A mudança pode ser sentida visualmente pelo corte de cabelo de alguns dos combatentes, nos desenhos feitos ao lado de seus canhões e naves - assim como as pinturas nos bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Claro que esse conceito foi assimilado dos inúmeros filmes e série focados na guerra, mas é um elemento bem-vindo e inevitável, especialmente se a proposta do seriado semanal é contar diversos capítulos das Guerras Clônicas.

Toda essa explosão de emoção e personalidade também afeta os dróides do exército Separatista, que servem como comic relief em diversos momentos do longa. A Idéia pode soar infantil no começo, mas, considerando C-3PO como exemplo, é plenamente possível que os robôs sejam emotivos nessa galáxia que enfrenta sua maior batalha, dentro e fora das telas.

Sem a pretensão de reproduzir a realidade com a animação, Star Wars: The Clone Wars vai enfrentar seus fãs de carteirinha no teste de qualidade que vai afetar o futuro da Saga a partir de agora e, acima de tudo, vai dar seus primeiros passos para longe de seu criador, George Lucas. Embora ele continue supervisionando os conceitos criativos, o time de produção é comandado por Catherine Winder e realizado pela LucasFilm Animation, sediada em Singapura. Como Winder descreveu, Lucas se envolve em momentos-chave, quando alguma decisão sobre os rumos do programa ou alguma nova tecnologia precisa ser escolhida. Outro fator importante aqui é o fato de Lucas assumir que sua atenção está voltada para a realização da série em live-action, que deve acontecer em alguns anos.

E aí retomo um ponto de grande divergência a respeito de Guerra nas Estrelas: esse universo tem pique e condição de abastecer uma ou duas séries semanais? Até o momento, sob comando direto de Lucas, vimos a mesma história ser contada ao longo de 30 anos, com algumas alterações, mas basicamente uma auto-reinvenção a cada novo capítulo da história da família Skywalker. A história de George Lucas, claro. Enquanto isso, autores altamente competentes - como Michael A. Stackpole e Robert Salvatore - colocavam o chamado Universo Expandido para rodar em alta velocidade com livros, quadrinhos e jogos, o que manteve a saga viva no interregno entre as duas trilogias.

Nessa aspecto, Lucas se mostrou limitado por não expandir muito sua história original, o que inviabilizaria uma série, por conta das inevitáveis repetições. Afastando-se, porém, o criador permite que novas perspectivas guiem esse caminho de acordo com os desejos da base de fãs. E a presença de pessoas como Filoni, que cresceu idolatrando a saga, é fundamental nesse sentido.

Com isso, tudo indica que agora será a vez de uma Guerra nas Estrelas que os fãs sempre quiseram ver, mas só podiam ler ou jogar. E, como a primeira temporada já está pronta e aguardando a estréia daqui dois meses, nem mesmo problemas de bilheteria podem prejudicar sua performance na TV. Star Wars: The Clone Wars já divide opiniões, seja pela qualidade da animação ou pelo estilo de roteiro, que incomodou alguns críticos.

O objetivo desse filme e também da série é bem claro: mostrar as Guerras Clônicas, seus episódios importantes e dar um pouco espaço para a personalidade de seus protagonistas, e até mesmo extras, ganhar volume. Não é uma história pretensiosa com repentes de grandiosidade, pelo contrário, aposta na simplicidade. No caso do longa, há uma batalha, seguida por uma missão de resgate que é sabotada, um complô contra os mocinhos, outra batalha, manobras audaciosas, dois duelos de tirar o fôlego e o desfecho. É um filme de guerra, logo, precisa mostrar o conflito. E por conta disso arrisca ainda mais ao deixar de lado todo o misticismo da Força. Embora seja citado por Anakin, que agora tem uma Padawan Ahsoka Tano, o campo de energia que permite a vida vira referência de distancia no meio de toda a pancadaria, tiros e explosões. Reflexo claro da sociedade atual, na qual a habilidade física leva vantagem em relação à preparação mental ou, nesse caso, espiritual.

Herói da nova geração, Anakin Skywalker precisa aprender a se controlar e dá um novo passo em sua evolução, tornando-se professor. Pelo menos no filme, pouco se nota sobre o caminho que Anakin trilha em direção ao Lado Negro da Força. O complô de Palpatine está em andamento, sabemos o que vai acontecer, mas, a impressão é que durante as Guerras Clônicas, o jovem Jedi viveu seu apogeu e nem mesmo Darth Sidious foi capaz de tocá-lo em sua glória.

Ele precisa resgatar o filho de Jabba the Hut, que foi seqüestrado. Conde Dooku está por trás do crime, que pretende virar o poderio dos Huts contra os Jedi e a República. E essa luta entre as duas facções pela aliança com as lesmas gigantes garante o ritmo à história. É o típico "filme de menino", independente da presença de três personagens femininas na trama.

Muito além de um filme para os fãs, Star Wars: The Clone Wars aborda outro nicho, o dos filmes de Guerra propriamente ditos. Basicamente um relato dos acontecimentos apenas mencionados no primeiro filme da saga, esse longa-metragem de animação faz algo que nem os maiores produtores de TV como J.J. Abrams conseguem: estréia no cinema, com pompa e circunstância e com direito a première mundial. É a Força de George Lucas, novamente, provando que quando se pensa longe - e tem dinheiro para isso - até mesmo um produto segmentado pode mudar os rumos da história. Ele fez isso em 1977 e repete a dose em 2008. Seja ele bom roteirista ou não, é impossível ignorar suas realizações como visualizador e produtor.


Quem é o colunista: Fábio M. Barreto adora escrever, não dispensa uma noitada na frente do vídeo game e é apaixonado pela filha, Ariel. Entre suas esquisitices prediletas está o fanatismo por Guerra nas Estrelas e uma medalha de ouro como Campeão Paulista Universitário de Arco e Flecha.

O que faz: Jornalista profissional há 12 anos, correspondente internacional em Los Angeles, crítico de cinema e vivendo o grande sonho de cobrir o mundo do entretenimento em Hollywood.

Pecado gastronômico: Morango com Creme de Leite! Diretamente do Olimpo!

Melhor lugar do Brasil: There´s no place like home. Onde quer que seja, nosso lar é sempre o melhor lugar.

Atualizado em 6 Set 2011.