Guia da Semana

Ele já tem 55 anos e 33 filmes como diretor, mas continua provocando críticos e espectadores, o que adora. Lars Von Trier sabe como chamar atenção quando os holofotes recaem sobre ele, seja por conta de seus densos e provocantes filmes, pelos loucos e sofridos desafios que impõe a suas atrizes ou pelas bombásticas declarações em premières, festivais e entrevistas. Quem não lembra do diretor em pleno lançamento de Melancolia no Festival de Cannes, em maio de 2012, compreendendo Hitler e achando os judeus 'um pé no saco'?

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Inclusive, nessa mesma entrevista ele falou sobre Ninfomaníaca adiantando que a sua próxima produção sereia um pornô de três horas com 'muito sexo desconfortável' e talvez nem valeria a pena ser assistido. A diferença é que o filme tem cinco horas e está sendo mais assintido do que nunca.

Voltando a história de Cannes. Mesmo Kristen Dunst levando a Palma de Ouro de melhor atriz pelo papel de Justine, o posicionamento proferido pelo diretor durante o festival não poderia passar incólume, então, ao final do evento, a direção do Festival o declarou persona non grata, sinalizando que ele está na geladeira nas próximas edições.

Para Franthiesco Ballerini, crítico e professor de cinema, a frase infeliz não suja a carreira do diretor. "Pode parecer meio clichê, mas de fato todo o gênio tem um pouco de louco. Triers buscou uma polêmica que o colocou como alguém desequilibrado, mas daqui a algum tempo, o mesmo Festival lhe renderá grandes homenagens, pois seus filmes falam mais alto".

Isso fica claro no novo longa, no qual o Trier escolheu o sentimento abstrato do título como fio-condutor da narrativa para assim mostrar como o ser humano e suas relações afetivas são frágeis e compostos das emoções mais contraditórias, e nem sempre as mais socialmente desejáveis.

Pegando carona nessa ideia, o Guia da Semana, com ajuda do Ballerini, pinçou um sentimento para ajudar a entender seis importantes filmes desse diretor polêmico por natureza. Confira!

Melancolia, em Melancolia (2011)

A eminência da destruição da Terra pelo planeta Melancolia aumenta ainda mais as tensões familiares entre as irmãs Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg) durante a festa de casamento da primeira, mostrando as diferentes visões de mundo e desejos subterrâneos.

A proposta do diretor, segundo Ballerini, está na quebra de tabus, contrapondo a felicidade máxima vendida pelos filmes hollywoodianos pelo dia do casamento com a destruição eminente do planeta. "Acredito até que pode ser lido como um filme ecológico, apresentando um mundo de recursos finitos e que tudo pode acabar num piscar de olhos, uma leitura antirromântica, algo muito raro de se falar no cinema", explica Ballerini.

Culpa, em Anticristo (2009)

Um belo bebê misteriosamente cai da janela quando um casal, identificado apenas por ele (Willem Dafoe) e ela (Charlotte Gainsbourg) está no meio do sexo. Para superarem o episódio, eles se mudam para uma casa no meio da floresta. Mas, como não podia deixar de ser, os questionamentos filosóficos do marido psicanalista entram diretamente em choque com a culpa da mãe, fazendo o sentimento ganhar cores e imagens medonhas, levando ao filme ser classificado como terror psicológico nos sites de referência.

"Acredito que Anticristo é uma das obras-primas do cinema nos últimos 20 anos, numa perfeita concretização de culpa materna, símbolos bíblicos e imagens pungentes. Não há maldade nenhuma nos personagens, mas seus sentimentos, absolutamente antiredentores, opostos a ideia do paraíso que buscam para sanar a dor", detalha Franthiesco Ballerini.

Vingança, em Dogville (2003)

Encravada nas montanhas rochosas norte-americanas nos anos 30, a pequena cidade de Dogville tem ruas, casas, igreja e lojas. No entanto, a chegada de Grace (Nicole Kidman) fugida das garras de gângsters, muda as relações da cidade. Para recebê-la, no entanto, ela deverá se submeter a trabalhar e auxiliar os moradores, liderados por Tom Edison (Paul Bettany), e que aos poucos, mostram sua verdadeira face, transformando também a própria Grace até o ápice da narrativa, num final surpreendente.

Nicole Kidman, em entrevista na época do lançamento, disse que amou trabalhar com o diretor, mas nunca mais faria isso na vida. Tanto que Manderlay, o segundo filme de uma trilogia pensada por Trier, a atriz não topou fazer, e foi substituída por Bryce Dallas Howard. "A metodologia de trabalho de Lars Von Trier é submeter um ou mais personagens ao longo da trama a sentimentos pesados, chegando à catarse ao final, algo que fica claro em Dogville", comenta o crítico. Para completar, a cidade, sem paredes e com limites apenas marcados no chão, aponta uma inspiração do teatro de Bertold Brecht, a qual o diretor se utiliza com grande liberdade.

Impotência, em Dançando no Escuro (2000)

A mãe-solteira tcheca Selma Jezkova (Björk) é uma emigrada nos Estados Unidos, para onde se mudou em busca da cura de uma doença hereditária que a faz perder a visão e que também abaterá seu filho, Gene (Vladan Kostig), um garoto de doze anos. Na fábrica onde trabalha conta com Kathy (Catherine Deneuve), e em casa, com os vizinhos Bill (David Morse) e Linda (Cara Seymour). Quando Bill se vê em dificuldades e resolve roubar as economias de Selma para o tratamento, o filme-musical de fortes cores vai ficando cada vez mais sombrio, mostrando que nada do que ela fizer poderá a salvar.

Sucesso aclamado com a Palma de Ouro em 2001 e pela indicação de melhor canção para Bjork, Dançando no Escuro é o maior sucesso comercial do diretor e, para o crítico Ballerini, faz da personagem Selma um retrato da limitação e impotência humanas, pois, mesmo que ela tente fazer tudo certo, é impossível escapar do trágico fim. Vale lembrar que Bjork também prometeu que nunca mais trabalharia com o diretor novamente.

Revolta e histeria, em Os Idiotas (1998)

Em uma casa de campo, um grupo de amigos se reúne com os objetivos de explorar todos os aspectos da idiotice como valor de vida e jogá-los na cara da sociedade. Quando Karen (Bodil Jørgensen) os encontra numa performance em um restaurante, um misto de revolta e sedução toma seus sentimentos, levando-a aos poucos a abraçar a histeria do grupo e confrontando seus valores éticos e familiares.

O filme foi o segundo feito seguindo os 10 mandamentos do movimento Dogma 95, que prega o uso da luz e sons naturais e veta todas as possibilidades de trucagens, buscando uma essência crua. Dirigido por Trier e Thomas Vinterberg, o filme ficou marcado por fortes cenas de sexo coletivo. "Acho que ele chocou muito mais do que convenceu, juntando a revolta, representada pelo grupo, com o vazio existencial da sociedade atual, representado pela personagem Karen", explica o crítico.

Mais culpa, em Ondas do Destino (1996)

Jan Nyman (Stellan Skarsgard) é um dinamarquês casado com a inglesa Bess McNeill (Emily Watson), que sofre de problemas mentais. Num dia, Jan sofre um acidente na plataforma de petróleo em que trabalha, ficando tetraplégico. Para não prender a mulher a um corpo imobilizado, mas também sem querer abandoná-la, ela a convence a procurar sexo com outros homens.

A produção foi uma das primeiras do diretor fora da Dinamarca. Desejos estancados, dramas frente às normas sociais vão se acumulando numa espiral de culpa na personagem de Emily Watson, levando-a à loucura.

Atualizado em 14 Jan 2014.