Guia da Semana

Fotos: divulgação



O gênero 'favela movie' não agrada Sérgio Bianchi. Muito menos o jeito hollywoodiano de fazer cinema. É com o seu modo de ver a realidade, provocando uma aguda crítica social, que o diretor vai levando suas produções. E depois de quatro anos de espera, ele que já esteve a frente de Cronicamente Inviável (2000) e Quanto Vale ou É por Quilo (2005), entra em cartaz com o longa Os Inquilinos, com estreia prevista para 29 de janeiro.

A produção, rodada em Brasilândia, bairro periférico de São Paulo, narra a história de uma família que vê sua rotina mudar com a chegada de jovens vizinhos suspeitos de pertencerem à criminalidade. No núcleo principal, Marat Descartes e Ana Carbatti. As participações ficam por conta dos atores Leona Cavalli, Ailton Graça, Cássia Kiss e Caio Blat.

O filme não procura culpados nem inocentes, prefere usar as contradições para atacar a subserviência da população e o domínio da violência, em meio a um Estado ausente e inoperante. Para saber mais sobre o seu mais novo trabalho, o Guia da Semana bateu um papo com o Sérgio Bianchi, considerado por muitos como provocante e polêmico.

Guia da Semana: Os Inquilinos é uma adaptação de um conto homônimo, escrito por Vagner Geovani Ferrer. Como você teve acesso a esse texto e por que resolveu filmá-lo?
Sérgio Bianchi:
Eu estava pensando no próximo longa enquanto o Quanto Vale ou É Por Quilo(2005) ainda não era lançado e pedi uma indicação a escritora Beatriz Bracher para adaptar alguma coisa da literatura brasileira. Ela me deu muitas indicações e, no meio dela, tinha esse conto, que nem tinha sido publicado, que era de um aluno dela. Foi um dos que eu mais gostei. Achei interessante porque ele conta uma história de uma violência que é normal, cotidiana, só que ele contava de uma forma tão descritiva, tão ausente de qualquer consideração, postura ideológica ou violência exacerbada que achei muito interessante.

Guia da Semana: Qual a proposta do projeto?
Bianchi:
Tive uma vontade de contar uma história de pessoas que vivem na periferia, mas sem os clichês todos que o cinema americano ou próprio cinema brasileiro reproduz. Também queria fazer um filme de ator cheio de verdades pessoais, culturais.

Guia da Semana: O filme relata, por meio de seus personagens, a subserviência do cidadão comum frente à violência. Como você vê essa relação?
Bianchi: Não sei se subserviente seria o termo. Pode ser reacionário, machista, medroso, mas acima de tudo é humano. É um cara que só quer viver a sua vida e não está nem preocupado se está sendo explorado.

Guia da Semana: Ele não pensa nisso...
Bianchi:
Não é que não pensa, muitos brasileiros de uma classe econômica mais baixa não têm vontade de protestar, de mudar. Não vou teorizar se é normal ou não, mas é um personagem que a gente tentou construir e que só quer saber da sua estrutura familiar. Acho isso uma coisa muito humana, pessoalmente não concordo, mas acho que o povo brasileiro tinha que ser mais rebelde, em vez de brigar entre si, pensasse um pouco em incomodar o Estado. Mas isso é uma postura minha, eu que não sou o perfil clássico periférico.


Sérgio Bianchi na direção de Os Inquilinos

Guia da Semana: Quanto tempo demorou para fazer o filme?
Bianchi:
As gravações foram rápidas, em dois meses estava pronta. Demorei mesmo para enfrentar a uma burocracia da Secretaria de Cultura, da Ancine, e daí foram quatro anos. Um filme normalmente demora um ano, tanto aqui como em qualquer lugar do mundo. Agora aqui, pelas condições, a coisa complica. Eu me considero um independente, assim como grande parte dos cineastas.

Guia da Semana: Mas isso não serve para causar a reflexão do público?
Bianchi:
Eu também penso assim. A Zezé Motta, minha amiga lá do Rio, pede para eu continuar fazendo esse tipo de filme, pois acha que sou batalhador e tenho esse lado provocativo, de colocar contradições.

Guia da Semana: Ao mesmo tempo em que os personagens condenam a violência, eles sentem a necessidade de estar perto ou saber como ela foi feita. A que você creditaria isso?
Bianchi:
É bem típico, nê? Você já viu alguém ser atropelado na rua? Tem sempre um bando de gente do lado pensando "Ah, não é televisão, é ao vivo!". Acho que isso é natural do ser humano, a coisa da espetacularização da vida. Não tentei considerar isso, só observamos como isso funciona e reproduzimos.

Guia da Semana: Como foi a experiência de trabalhar na Brasilândia, uma região com alto índice de criminalidade em São Paulo?
Bianchi:
Ah, foi cansativo, como toda filmagem é. A gente até limpou a câmera, deixamos mais bem enquadrado, para não mostrar toda aquela destruição que tem lá, com ausência do Estado. Tudo lá é muito largado, abandonado. Tem sempre as coisas negativas e as coisas positivas, eu não vou falar as negativas porque vai parecer que estou cuspindo no prato que comi.

Guia da Semana: Sentiu dificuldades durante as gravações?
Bianchi:
O pessoal colaborou, só que era meio barra pesada, a realidade às vezes aparecia. Além dos dois meses, construímos três casas. Não foram só dois meses, foram quatro meses indo lá toda hora. Agora não é uma maravilha pra gente que tem certos tipos de valores. Agora o que você nota é que é um abandono total do Estado, aí culturalmente surgem todos os tipos de atitudes, algumas bárbaras, muitas pesadas, mas acima de tudo, humanas.


No elenco, atores como Caio Blat, Ainton Graça, Cassia Kiss, Marat Descartes e Ana Carbatti

Guia da Semana: Você apóia que o cinema brasileiro tenha um distanciamento do hollywoodiano. Por que empenha essa bandeira?
Bianchi:
Hoje, 85% das salas ficam na mão de blockbuster. E o espaço que sobra vai para os filmes da Globo ou para as comédias. Não tenho nada contra nenhum tipo de cinema, mas tem uma série de bons diretores no Brasil que, por abnegação, delírio, ou sei lá eu, abraça esse tipo de cinema. Então você tem duas coisas a fazer: ou você produz você mesmo com poucas pessoas e demora mais tempo, ou você super fatura, põe um bando de gente no meio e acaba gastando quase três vezes mais. Não tenho nada contra fazer filmes populares, mas sem espaço, fica difícil dividir. Então acho que o parâmetro pra mim não é muito o mercado, é mais tentar fazer uma coisa que seja palatável e que todo mundo entenda, pois meus filmes não são tão herméticos assim. Acho que o problema é que meus filmes não têm um final feliz, o que é um grande pecado na visão do cinema americano, não ter um final redentor.

Guia da Semana: Seus projetos não trabalham com o dualismo entre o bem contra o mal, o mocinho e bandido. Por que fazer essa escolha?
Bianchi:
Mas alguém consegue entender isso? Eu não consigo! Eu prefiro a contradição, pensar sobre as contradições ou ser provocativo. Essa história de bem ou mal é meio complicada, pois às vezes eu acho que o mal existe, às vezes acho que a classe social influência, a cultura.

Guia da Semana: Você é considerado por muitos críticos polêmico e provocador, por fazer filmes com uma aguda crítica sócial. O que pensa sobre isso? Bianchi: Eu acho um saco! Provocador até pode ser, mas o que é ser provocador? Falar o óbvio, falar das contradições? Fingir que a realidade não existe para ser um provocador, ou ser um falso esperançoso? Eu acho que sou eu, não sou dono da verdade, só reproduzo a minha forma de ver, assim como outras pessoas fazem. O problema é quando os críticos usam isso como desqualificação, como o filme que deveria ser. Acho que eles até gostam do meu filme, mas têm raiva por não fazer uma coisa mais conhecida dentro da sociedade colonizada. Aí perguntam porque não terminei assim, querendo retrabalhar o filme ou desqualificar. Dessa forma, acabo entrando no clichê do maldito, do diferente. Mas o importante é fazer o filme circular, ser visto, e isso que é cruel.

Guia da Semana: Você já têm outro projeto em mente?
Bianchi:
Não. Claro que vou ter logo, mas ainda estou trabalhando mais pra lançar Os Inquilinos, porque é uma coisa muito difícil, furar o bloqueio, pois você compete com produções que têm páginas e mais páginas nos jornais do mesmo filme. Aí você se pergunta: Como vou fazer?

Atualizado em 10 Abr 2012.