Guia da Semana

Fotos: Divulgação

Cláudio Gaia e Cláudio Tovar em uma das apresentações dos Dzi Croquettes

Em pleno período de ditadura militar surgia um grupo que revolucionaria os costumes, influenciaria artistas e ainda chamaria a atenção da atriz e cantora Liza Minelli. Dentre cores, figurinos ousados, maquiagem pesada e um árduo trabalho de interpretação de cenas, que contrariavam o regime da época, os Dzi Croquettes contavam com treze integrantes homens vestidos de mulher que se tornaram símbolo da contracultura brasileira. Tamanha foi à repercussão que, após ganharem os palcos de diversas casas, a trupe foi proibida de continuar com a turnê e se mudou para Paris, onde fez enorme sucesso.

Como forma de resgatar a história e homenagear seus ídolos, a atriz Tatiana Issa, filha de um dos diretores artísticos do grupo, e o seu parceiro Raphael Alvarez acabam de lançar o documentário Dzi Croquettes e serem contemplados com dois prêmios de melhor documentário, por meio do voto popular e júri oficial, no Festival de Cinema do Rio de Janeiro. "Eles deixaram um legado e foram esquecidos. As sessões do documentário que rolaram na mostra do Rio foram umas das mais lotadas. Muita gente que viu lembrou e quem ainda não conhecia passou a gostar muito", afirma Tatiana.

Identidade

Marcados pela ironia, inteligência e muita coragem, a trupe utilizava números com dublagem, canto, dança e monólogos. Comandados por Wagner Ribeiro e Lennie Dale, formavam a equipe Cláudio Gaya, Ciro Barcelos, Cláudio Tovar, Bayard Tonelli, Reginaldo de Poli, Paulo Bacellar, Rogério de Poli, Benedictus Lacerda, Eloy Simões e Carlinhos Machado. "Tudo começou em 1972 e eu entrei depois de ver uma apresentação e ficar fascinado. Me identifiquei com a dança, o trabalho, a proposta libertária e as inúmeras possibilidades que eles criavam", lembra Cláudio Tovar.

Ser revolucionário em uma época onde formas de expressões artísticas eram tidas como subversivas não era para qualquer um. "Passamos por alguns perrengues de censura. Precisávamos maquiar algumas cenas, ficávamos morrendo de medo de não passar. Montamos até uma peça infantil. Como tínhamos essa liberdade, no dia da censura parecíamos uns idiotas fazendo a peça. Tivemos um prejuízo imenso e pegamos nossas coisas e fomos para a Europa. Ficamos por lá quase dois anos, e passamos por Lisboa, Paris, Milão, Turin e depois retornamos ao Brasil e cada um seguiu seu caminho", recorda Cláudio.

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Além dos figurinos, o grande destaque do grupo era a interpretação e a dança

Documentário

O projeto surgiu enquanto Tatiana pensava em uma forma de homenagear os responsáveis por toda sua paixão pela arte. A atriz, que mora em Nova York e é proprietária de uma produtora ao lado de Raphael Alvarez, finalizava um projeto no Brasil e decidiu começar a colher o material para iniciar o documentário. E para sua surpresa, no país não havia imagens de arquivo sobre os Dzi. "Eu criança recebi muita influência. Morei com eles em Paris, vi tudo que criavam, toda a loucura, fome de viver. Fazer esse documentário para mim, foi uma coisa muito especial. Fiquei muito emocionada com o resultado final", afirma Tatiana Issa.

Daí em diante, Raphael e Tatiana iniciaram uma procura mundial por arquivos e material sobre o grupo e finalmente descobriram que uma emissora da Alemanha havia filmado um espetáculo realizado em Paris, em 1973, na integra, ou seja, a única imagem de arquivo no mundo e que deu base ao documentário. "Foi bem difícil. Corremos atrás e foi um verdadeiro trabalho de detetive. Conseguimos o contrato original da época em nome de um integrante já falecido. Achamos o nome do advogado dele, também falecido, e depois fomos à França, corri atrás até que conseguimos provar para a TV alemã e assim eles cederam a gravação", conta Tatiana.

Depoimentos

Já que o material era escasso, o jeito foi apelar aos depoimentos. E não faltaram nomes. Os cinco Dzi Croquettes vivos até o momento eram a prioridade e a partir deles começou uma indicação geral. A visita ao Brasil rendeu frutos que nem mesmo os produtores esperavam. O filme conta com depoimentos de Mielle, Ney Matogrosso, Beth Faria, As Frenéticas, Pedro Cardoso, Nelson Motta, Miguel Fallabela, Claudia Raia, Elke Maravilha, entre outros. "Fazer documentário de uma pessoa já é um trabalho imenso, imagine de treze pessoas, onde cada uma delas teve uma vida genial. Artistas, loucos, com finais trágicos, felizes. Contamos treze mini- historinhas", comenta Tatiana.

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Os integrantes criavam seus personagens e o figurino para cada apresentação

Os Dzi Croquettes foram sucesso também na França, portanto alguns depoimentos deveriam vir de lá. Segundo Tatiana, muita gente os conhecia e queria falar sobre eles, inclusive uma fã incondicional do grupo, Liza Minelli. "Diretores, fotógrafos, pessoas do meio, lembravam muito deles. Até que chegamos na Liza. Eles eram apaixonados por ela e vice-versa. Além disso, muita gente diz que bebeu da fonte dos Dzi e são o que são graças a eles que serviram como fonte de inspiração", afirma Tatiana.

Registro histórico

O documentário não recebeu ajuda financeira de nenhum órgão e foi produzido sem patrocínios, apenas com a colaboração de pessoas que admiravam o trabalho e a trajetória do grupo. Segundo Tatiana, a liberdade, ousadia e a coragem que via nos integrantes, se refletiu nesse projeto. "Essa talvez tenha sido a maior herança que eles me deixaram. Coragem de fazer o que eu tenho vontade. Acompanhei as alegrias, sofrimentos, brigas. Acho que foi um ótimo aprendizado", recorda.

Já para o ex-integrante Cláudio, a história que influenciou muitas pessoas naquela época pôde finalmente vir à tona. "Fiquei bem emocionado com o resultado final. Como éramos proibidos, não tínhamos acesso à televisão e isso fez com que não tivéssemos nenhum material de registro. Saber que eu fui importante em dado momento da história e servi de exemplo para muitas pessoas ligadas à arte é muito emocionante".

Atualizado em 26 Set 2011.