Guia da Semana



Criador de obras-primas como 300 e porcarias como Robocop 2, Frank Miller já foi do inferno ao céu em Hollywood. Diferente de Alan Moore, que não quer nem saber de cinema, Miller deu seu maior passo na indústria ao encarar a direção solo de The Spirit, adaptação do personagem de Will Eisner, seu grande mentor, para o cinema. Debaixo de muita crítica e ceticismo, Miller fez de tudo um pouco com o detetive mais mulherengo dos quadrinhos noir. Filmado em 48 dias, essa aventura romântica chega aos cinemas para dizer se Frank tem o brilho suficiente para fazer tanto sucesso nas telas quanto nas páginas das graphic novels.

Desta vez, quem conta tudo para você é Frank Miller.

Como aconteceu a transição de mídias no caso de The Spirit?
Frank Miller:
É ao mesmo tempo igual e diferente. Criar quadrinhos é uma atividade muito solitária, enquanto o cinema é uma experiência coletiva. Tudo acontece por conta de muitas pessoas. Entretanto, fundamentalmente, tudo é similar: drama, história, apelo e etc. Isso existe nos dois formatos. E o que causa admiração é notar que, no caso do cinema, existe toda aquela parafernália tecnológica cujo objetivo é inserir todo o trabalho num simples retângulo e ali pode existir qualquer coisa, aliás, essa limitação permite que tanto o tempo quanto o movimento sejam controlados por meio dos atores e suas interpretações.

Mas todo o controle permitido pela colocação quadro a quadro não supera a dinâmica do cinema, em termos de manipulação?
Frank Miller:
Uma coisa difícil no cinema é colocar uma cena em seguida da outra. Mesmo sendo contínuas em termos de edição, elas precisam ser construídas como se fossem ininterruptas. No quadrinho, você pode ter 30 quadros ou cenas numa única página e isso não atrapalha, pois o leitor consome uma por vez. No cinema, isso soa estranho e não funciona. Quer ver uma coisa que não dá para fazer no quadrinho? - Ele olha sério e começa a fazer diversos movimentos com o rosto, sobrancelha, olhos e boca - (risos). Há milhões de frações da expressão humana que o cinema consegue transpor de maneira melhor pela razão óbvia do movimento. Imagine um olho abrindo: é possível mostrar esse ato de maneira artística no cinema, com ajuda de música e alguma narração, e fica emocionante. E fizemos isso no filme, aliás. Mas se tentasse fazer a mesma coisa numa página de quadrinhos, seriam vários quadros com o olho fechado e semiaberto até abrir de vez. As pessoas veriam aquilo e diriam: isso foi desenhado por um idiota!

Quanto é Eisner e quanto é você em The Spirit?
Frank Miller:
Tive grandes vantagens quando decidi fazer esse filme. A primeira delas é que passei 25 anos treinando sob orientação de Will Eisner, então isso fez a diferença. Agora, a melhor coisa foi o fato de ele estar morto (risos). Caso contrário, teríamos brigado por conta de cada cena, enquadramento ou decisão envolvida em The Spirit. Basicamente, esse filme mostra Frank Miller traduzindo o que Will fez e o respeitando, assim como sua intenção. A melhor contribuição que essa postura trouxe foi a audácia, que era como Will pensava. Não quis fazer nada bajulador, reverente ou velho. Decidi arriscar e acredito que ele teria ficado orgulhoso do tratamento e dos riscos que corremos.

Debora: Falamos muito sobre isso diariamente durante a produção, aliás. Por exemplo, quando organizávamos as cenas, Frank sempre pedia uma "lata de lixo, uma tampa de bueiro, uma esquina com cara de Eisner". Em termos visuais tudo foi pensado para manter a identidade visual. Outras duas coisas guiaram o trabalho: Spirit nunca usa armas e o ambiente não pode ser datado. É algo galante e contemporâneo.

Por falar em Spirit, como você encontrou o ator certo para o papel?
Frank Miller:
Eu envio o link para você assim que estiver no ar!Foi uma delícia imaginar quem seria nosso herói. Foi difícil, mas adorei ter que fazer essa escolha, afinal de contas, a história é sobre ele, então algo muito único precisava acontecer para escolher o cara certo. Não queria ninguém conhecido, ou seja, um novo rosto que todo conheceria com Spirit. Falei com dúzias de atores por cerca de um mês. Precisava ser alguém bom por uma boa razão: o cinema não tem um bom histórico quando se trata de mostrar heróis, então os atores não são muito bons nisso. É por isso que atores como Bruce Willis, Clive Owen e Clint Eastwood se destacam e trabalham até não conseguirem mais ficar de pé - eles têm esse dom. E Gabriel Macht voltou depois de uma sessão de casting e sugeri que sentássemos num bar, queria fazer isso de um modo diferente. Disse: fale comigo sobre Sand Saref (Eva Mendes), conte como conheceu essa mulher maravilhosa que mudou sua vida. Ele se levantou, deu alguns passos para longe, fez meia volta e começamos a conversar, como se nos conhecêssemos há anos, sobre mulheres e coisas de homem. Foi fantástico.

Encontrar um herói não deve ser muito simples. Qual sua definição para encaixar o perfil de Gabriel Macht?
Frank Miller:
Passei toda minha carreira tentando encontrar essa definição. O herói é tudo num filme como esse. Cada personagem é a decupagem de uma faceta ou momento do herói, sendo que ele próprio representa a essência suprema do conceito. Até mesmo vilão funciona como a razão de viver do herói, uma espécie de mal necessário; e a cidade onde ele vive reage ao seu perfil e suas ações.

E qual a particularidade de Spirit?
Frank Miller:
Ele é muito romântico. Portanto, criamos um elenco baseado nos personagens de Eisner, rostos que honrariam o legado de Eisner. Foi muito específico. Não poderíamos ter, por exemplo, uma atriz genérica para um papel principal. Elas precisavam ser marcantes. Tudo ali condiz com esse romantismo e um sentimento de realismo.

Como a decisão de dar um rosto ao Octopus se encaixa nesse modo de pensar?
Frank Miller:
Pois é, acho que seria esquisito fazer o público passar boa parte das 2 horas vendo um par de luvas lutar contra meu herói. Precisávamos representar o Mal, pois o herói tinha que enfrentar um desafio à altura. Desde o começo pensei em Samuel L. Jackson e sempre o imaginei como aquele personagem prontinho esperando a chance de se revelar nas telas. Lembro que uma vez brinquei com o Deborah [Del Prete, a produtora] e disse: "acho que ele se segurando um pouquinho" (risos). Ele é tão insano em cena quanto o personagem requer. Jackson é um dos poucos atores capazes de pegar uma linha de roteiro e melhorar de um modo surpreendente, com um twist próprio, sabe. Quando ele acerta uma privada na cabeça de Spirit e diz "Fala sério, privadas são sempre engraçadas!" era simplesmente uma frase engraçada, mas quando ele disse, fiquei apavorado!

Como Scarlett Johanson entrou na história?
Frank Miller:
Ela estava disputando um papel então me encontrei com ela. Falamos por três horas e, rapidamente, concluí que ela não tinha nada a ver para a personagem. Jovem demais. Mas esse contato me mostrou que ela poderia ajudar de maneira fantástica, como ninguém mais poderia, já tem um grande senso de humor e seu timing cômico é impecável. Ela é uma das pessoas mais engraçadas que já conheci. Como é possível eu estar almoçando com a versão mais nova de Lucile Ball e ninguém nunca percebeu? Reescrevi a personagem inteira depois disso.

Como você traduziu as histórias originais do Eisner para o filme?
Frank Miller:
Bom, isso é complicado. Comecei com minha história favorita - Sand Seraf - e expandi tudo isso, mas era muita coisa, pois há mais de cem histórias com Spirit. Will era um prodígio. Então misturei os elementos femininos com a agressividade do Octopus e consegui encontrar o mundo em que Spirit habita. Foi meio que brincar com esses elementos, com as mulheres icônicas e poderosas e aquela cidade fantástica, que é Nova Iorque.

Qual foi o motivador para esse filme? Acordou um dia afim de fazer?
Frank Miller:
Não, para dizer a verdade eu nem queria saber do filme. Quando sugeriram pela primeira vez, disse não, pois seria absurdo. Mas alguns segundos depois, disse que era meu e ninguém mais poderia tocar nesse filme. Daí para frente foi questão de escrever o roteiro, conheci Deborah Del Prete e tudo decolou. Aliás, ela chegou e disse que "vou fazer esse filme com você", e assim foi.

Pelo que vimos do filme, há uma preocupação técnica muito grande e uma busca pela perfeição visual. O que podemos esperar de The Spirit? Algo fielmente transcrito como 300 ou Sin City?
Frank Miller:
Vocês vão se sentir envolvidos por uma aventura romântica. O público vai ficar preocupado com o destino de Central City e especialmente o herói. E espero muito que, em pelo menos um momento dramático, todos chorem com sinceridade.


Quem é o colunista: Fábio M. Barreto adora escrever, não dispensa uma noitada na frente do vídeo game e é apaixonado pela filha, Ariel. Entre suas esquisitices prediletas está o fanatismo por Guerra nas Estrelas e uma medalha de ouro como Campeão Paulista Universitário de Arco e Flecha.

O que faz: Jornalista profissional há 12 anos, correspondente internacional em Los Angeles, crítico de cinema e vivendo o grande sonho de cobrir o mundo do entretenimento em Hollywood.

Pecado gastronômico: Morango com Creme de Leite! Diretamente do Olimpo!

Melhor lugar do Brasil: There´s no place like home. Onde quer que seja, nosso lar é sempre o melhor lugar.


Atualizado em 6 Set 2011.