Guia da Semana



Billy Wilder é um nome que nunca se apagará da história do cinema americano. Não apenas pelo seu talento e ousadia incontestáveis, mas também pela diversidade de sua obra. Poucos diretores podem se gabar de ter no currículo filmes-referências em mais de um gênero. Wilder tem pelo menos dois.


Com Pacto de Sangue (Double Indemnity), de 1944, realiza um dos maiores filmes do gênero noir, com uma história marcante e todos os elementos indispensáveis: a mulher fatal, o herói de caráter dúbio, a fotografia preto e branco de contrastes e sombras, a visão pessimista na humanidade, o crime passional manipulado. Já em 1959, ele dirige o que para muitos é a melhor comédia de todos os tempos: Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot), com Tony Curtis, Jack Lemmon e Marilyn Monroe.


Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard) é de 1950 e fica literal e metaforicamente entre os dois filmes citados. Nesse meio termo, alcança o status de obra-prima ao destilar, com ácido e cortante humor negro, uma dura crítica à indústria do cinema de Hollywood, uma indústria que fabrica mitos e os descarta do dia para a noite.


No filme, Gloria Swanson interpreta Norma Desmond, uma estrela do cinema mudo que foi esquecida após o advento da sonorização na sétima arte. Envelhecida, decadente e presa ao passado, Norma sonha em voltar a filmar, em voltar a ser uma estrela. Para isso escreve um roteiro e contrata o roteirista fracassado Joe Gillis (William Holden) para revisá-lo. As consequências da relação entre uma mulher madura, solitária e rica com um homem jovem, ambicioso e sem dinheiro resultam no inevitável contraste entre a ilusão que não se enxerga na verdade, e a verdade que não se vê na ilusão.


Mas a irônica crítica de Wilder em retratar uma Hollywood que descarta rapidamente e sem piedade seus mitos, na mesma velocidade que os substitui por outros mais jovens, vai além da trama e do roteiro, permeando o próprio elenco escalado. Assim, temos a atriz Gloria Swanson, ela mesma uma diva esquecida do cinema mudo. Ou o grande diretor, também do cinema mudo, Erich von Stroheim, que no filme interpreta o mordomo Max, um dedicado serviçal que idolatrada sua estrela e faz de tudo para que as ilusões dela não se quebrem nunca.


Outro mito do cinema presente no filme é Cecil B. DeMille, que faz uma ponta interpretando a si mesmo, um respeitado diretor de grande estúdio. Na vida real, DeMille e Strohein ao lado de nomes como D. W. Griffith e Charles Chapplin, dirigiram obras geniais do cinema mudo e definiram dimensões estéticas, técnicas narrativas e inovações utilizadas e estudadas até os dias de hoje no cinema.


Como se não bastasse toda essa ironia e crítica inteligente, o filme é considerado uma obra-prima do cinema também por suas qualidades intrínsecas. Swanson se sobressai extraordinariamente com sua interpretação de transtorno, de mulher solitária que vive dentro de um mundo de realidade deformada por ilusões doentias. A própria mansão onde vive é um reflexo de si mesma, com os exageros de uma decoração ostentadora e puída, de colunas imponentes e gastas pelo tempo.


Wilder deixa clara sua mensagem desde os primeiros movimentos de câmera, quando o título do filme aparece estampado numa sarjeta, e encerra seu grandioso filme com o êxtase da loucura de Norma Desmond, descendo as escadas na sua última interpretação, perdida entre as ilusões e a loucura, se esfumaçando em direção ao público imaginário.


Sunset Boulevard não é apenas um filme imperdível e essencial para história da sétima arte, é também um filme inesquecível com uma riqueza de sentidos poucas vezes vista no cinema de Hollywood.
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Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard)
Dir. Billy Wilder
EUA, 1950
110 min.


Quem é o colunista: gordo, ranzinza e de óculos.

O que faz: blogueiro, escritor e metido a crítico de cinema.

Pecado gastronômico: massas.

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Atualizado em 6 Set 2011.