Guia da Semana



Pedro Almodóvar pode ser considerado, antes de tudo, um diretor de perfis. Criando personagens e personalidades em roteiros mirabolantes e ácidos - quase sempre de sua autoria - conseguimos crer na veracidade de suas tramas, por mais absurdas que sejam. Seu filme de estreia, Pepi, Luci, Bom y otras chicas Del Montón (1980), já mostrava isso, com uma trama absurda repleta de personagens bizarros e atitudes despudoradas.

Logo após, veio Labirinto de Paixões (1982) que lançou nas telas o jovem Antonio Banderas, então com 21 anos, mostrando diversas confusões em um ritmo vertiginoso, misturadas a muito erotismo e desafiando a linha da sexualidade (que permearia todas as suas obras).

Expondo assuntos como drogas, violência e homossexualidade, Almodóvar surgiu para derrubar os alicerces das condutas religiosa, social, sexual e política. Maus hábitos (1984), por exemplo, mantém o posto de mais controverso ao mostrar um convento repleto de freiras nada puritanas. Chegou a ser proibido em diversos países, após tocar em feridas da Igreja Católica.

Em 1986, Almodóvar lança Matador, no qual passeou pela primeira vez no campo mais dramático. A densidade e a maturidade ganharam forma nas telas com Lei do Desejo (1987), terceira parceria Almodóvar/Banderas, um de seus filmes mais carregados de homossexualidade. Banderas tentou proibir o lançamento - que se deu dez anos depois -, quando já era astro de Hollywood. Em seguida, Surreal e Ácido, uma mistura de tragédia e humor com tema sobre religião e forte estética kitsch.

Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), com a excepcional Carmen Maura, foi o primeiro filme de Almodóvar a receber a indicação ao Oscar. Homenagem às comédias norte-americanas da década de 40, o longa é carregado de escatologia, ritmo vertiginoso e visual vibrante do começo ao fim.

Na década de 90, Almodóvar elegeu sua nova musa: a sensual Victoria Abril estrela Ata-me! (1990), cheio de cores berrantes, ousadas cenas de sexo e trilha de Ennio Morricone. De Salto Alto (1991), traz Marisa Paredes com uso de diversos clichês melodramáticos. Este é considerado seu filme mais comportado, embora envolva assassinato, amor, ódio e até a gravidez da personagem de Abril por um transformista.

As cores berrantes permanecem em A Flor do Meu Segredo (1995), em que Marisa Paredes interpreta uma escritora em crise com o fim de seu casamento. O humor constante dá lugar a uma delicadeza que o público até então desconhecia, envolvendo literatura com toques autobiográficos de sua infância. Em seguida, Almodóvar filma as três películas que são consideradas suas obras-primas.

Carne Trêmula (1998) alçou Javier Bardem no cenário internacional e é uma deliciosa comédia dramática com toques noir. O belíssimo Tudo Sobre Minha Mãe é lançado em 1999, arrematando prêmios por todo o mundo, incluindo o Oscar de Melhor Filme estrangeiro e o prêmio de Melhor Diretor em Cannes. Alternando humor e beleza, com personagens fortes, a película conta com um notável trabalho de Marisa Paredes e Cecília Roth. Fale com Ela, em 2002, completa a trinca de ouro. Delicado ao abordar o universo masculino, o cineasta trata de amor e morte em um filme que é uma verdadeira ode à dedicação e à culpa.

O projeto seguinte, Má Educação (2004) com Gael Garcia Bernal, é um filme mais sombrio, ao tratar do tema pedofilia envolvendo padres, levando o diretor, novamente, a enfrentar críticas da Igreja. Essência de cores, referências cinematográficas e quebra de limites da sexualidade. Sim, é um autêntico filme de Pedro Almodóvar.

Em sua terceira parceria com o diretor - e primeira como protagonista - Penélope Cruz uniu-se à veterana Carmen Maura em Volver (2006). A vingança e a reconciliação familiar com personagens, muitas vezes, obscuros e misteriosos, deram a Almodóvar o prêmio Melhor Roteiro em Cannes. Curiosidade: Volver é o livro escrito pela personagem de Paredes em A Flor do Meu Segredo, de 1995.


Ainda inédito no Brasil, Los Abrazos Rotos (2008) traz Cruz novamente às telas, em um papel duplo. Em clima noir, melodrama e comédia une personagens em uma história de vingança e ciúme, cujo título, segundo o próprio diretor, trata dos "abraços quebrados" com o tempo e o fim do amor.

Para os mais afoitos, já circula na Internet o curta A Conselheira Antropófaga, com uma personagem extraída do novo longa. O humor politicamente incorreto nos faz matar as saudades do Almodóvar de antigamente. Entre o curta e o longa, fiquemos com o meio termo. Afinal, ninguém transita entre o humor e o drama com tanta agilidade e respeito ao espectador como Pedro Almodóvar.

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Quem é o colunista: Um jornalista aficcionado por cinema de A a Z.

O que faz: Jornalista, tradutor e fotógrafo de uma editora de quatro publicações segmentadas.

Pecado gastronômico: Lasanha.

Melhor lugar do Brasil: Qualquer lugar, desde que eu esteja com meus amigos.

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Atualizado em 6 Set 2011.