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Georgia dirigiu o documentário com um olhar feminino e um tom poético

"Um samba-enredo-documental duma largueza às vezes melancólica, às vezes cômica e sempre ardente". É assim que a diretora Geórgia Guerra-Peixe define seu documentário O Samba Que Mora Em Mim, que ganhou o Prêmio Especial do Júri Oficial da categoria na 34ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e entra em cartaz em 11 de fevereiro em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Por meio de uma linguagem poética e particular, Geórgia sobe o Morro da Mangueira e busca relatos de pessoas anônimas da comunidade, que, de alguma forma, estão ligadas com os sons que emanam de lá. O ponto de partida é a quadra Estação Primeira de Mangueira, lugar do reencontro da diretora com sua própria história, já que seu pai foi diretor cultural da escola por 21 anos.

Em entrevista ao Guia da Semana, Geórgia conta sobre sua suave caminhada pela favela e revela facetas de seu olhar sobre o samba e o morro. Confira!

Guia da Semana: O filme tem um cunho autobiográfico e, no início, você inclusive se coloca e fala sobre o seu pai, que foi diretor cultural da Mangueira por 21 anos. Quando nasceu a ideia de fazer esse documentário?
Geórgia Guerra-Peixe: Esse trabalho surge em 2003, quando tentei encontrar um tema para fazer um documentário, e o samba sempre vinha muito forte na minha cabeça. Ele surge por causa da minha relação da infância com esse tema e era uma coisa que eu tinha que resolver. O samba sempre foi algo a mais para mim e fui tentar descobrir o que era.

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Marcelo Rocha, diretor de fotografia, durante as filmagens de O Samba Que Mora Em Mim

Guia da Semana: E como ele te ajudou a organizar as suas memórias de infância e impressões sobre o samba? O que mudou depois de ter feito o filme?
Geórgia: Primeiro tenho um enorme agradecimento aos meus pais, pois a visão deles de mundo fez com que eu me tornasse uma cineasta diferente. A minha câmera e meu filme mostram uma proximidade e um sentimento de pertencimento muito grande, porque eu estava ali de verdade. Demorei muito tempo para descer do morro. Emocionalmente, só desci quando o filme foi projetado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Meus valores foram muito mexidos. Em relação às memórias da minha infância, fiquei feliz em perceber que consigo transitar em diferentes lugares. Voltei refletindo muito a educação do meu filho e esse sentimento de brasilidade. Essa distância enorme que existe entre nós e eles. Foi uma descoberta muito linda ver que eles são muito felizes.

Guia da Semana: Você encontrou alguma dificuldade em relação à comunidade durante o processo?
Geórgia: Não tive nenhuma dificuldade. Fui colocada dentro do morro pela escola de samba. O cara que caminhava comigo de ponta a ponta é o segundo personagem do filme. Eles se sentiam extremamente agradecidos por uma cineasta fazer um filme sobre eles. Então, ficavam orgulhosos, porque eu estava ali para saber deles. Queria pessoas anônimas.

Guia da Semana: O que norteou a escolha dos personagens entrevistados? Como você chegou a esses personagens anônimos?
Geórgia: De todos, só conhecia a primeira personagem do filme, porque meu pai construiu a casa dela no morro, em 1980. Foi uma pesquisa feita inicialmente por Gisela Câmera, minha assistente de direção. Cheguei ao Rio de Janeiro e passei um mês visitando as casas que ela me trouxe. E o briefing era: pessoas anônimas que tenham orgulho de morar no Morro da Mangueira, mas que tenham alguma ligação com os sons de lá, nem que seja com o silêncio. A Vó Lucíola, por exemplo, vem pelo silêncio do cachimbo, pelo queimar do fumo. A seleção foi completamente intuitiva.

Guia da Semana: O que representa cada um deles?
Geórgia: Nós elegemos o que cada personagem traria. Uma é mais mãe, outro é a conexão com o carnaval, e cada um ganhou um assunto para desenvolver uma pouco mais dentro de algumas categorias escolhidas por mim.

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No Morro da Mangueira, a equipe filmou casas de pessoas comuns de forma intimista e sem alarde

Guia da Semana: Você acredita que sua experiência como diretora de publicidade de ajudou nessa busca?
Geórgia: Ser uma diretora de publicidade me ajudou a organizar e escolher a melhor lente para tratar o documentário brasileiro de maneira diferente. Tratei tudo de um modo muito responsável. Fiz o estudo de fotografia e escolhi as lentes. Mas essa busca vem muito da documentarista que foi tentar entender quem era. Na própria publicidade faço vários trabalhos buscando pessoas de verdade. Descobri que sou uma documentarista que celebro encontros. Não entro nas casas pedindo nada. Depois que entrei, fico ali convivendo.

Guia da Semana: Quanto tempo as entrevistas duravam?
Geórgia: Eram homeopáticas. Algumas duravam mais tempo, como foi com o Mestre Taranta. Às vezes gravávamos só o som, pois a linguagem escolhida para o documentário é em off. Fiz questão de fazer um estudo de linguagem.

Guia da Semana: E o que seu pai achou do documentário?
Geórgia: Ele terminou de assistir muito emocionado, pois nunca tinha subido o morro na vida, apesar de ter frequentado a Mangueira durante vários anos. Ele me disse que, ao ver o filme, subiu o morro pela primeira vez. Então, eu disse: você me deu o samba e eu te devolvo o morro.

Guia da Semana: E o que você achou desse encontro com a documentarista? Pretende fazer outros documentários?
Geórgia: Claro. Meu próximo filme é uma ficção que já estou escrevendo com o roteirista Lusa Silvestre. O título provisório é "O Amor é Importante". Comecei a escrever enquanto estava montando "O Samba", porque pensava que nunca deixaria o filme ir para a tela (risos). Então, precisava ter outro projeto, mas com certeza farei outros documentários, pois tenho recebido vários feedbacks de que esse meu olhar e a minha maneira de entrar e ficar próxima são raros. Quero experimentar mais um pouco, pois é algo muito particular.


Atualizado em 6 Set 2011.