Guia da Semana

Foto: Sxc.Hu


Uma das coisas que considero fundamentais para se apreciar no cinema - e que eu mesmo ainda estou aprendendo - é despir-se de preconceitos. E isso vale para as duas pontas dos que gostam de cinema: os que, como eu, posam de intelectuais e descartam imediatamente qualquer blockbuster de ação como vazio e bobo; ou os despretensiosos, que rejeitam qualquer drama sério como monótono e deprimente. Tenho aprendido que ambos os tipos podem se surpreender ao assistir filmes que inicialmente rejeitariam.

No cinema, um dos gêneros que mais sofre preconceito é o musical. Muitos até gostam, mas a maioria prefere uma certa distância desse gênero. O argumento é quase sempre o mesmo: a inverossimilhança de uma pessoa estar conversando com outra (ou o que é pior, sozinha) e começar a cantar e rodopiar diante da câmera sem qualquer motivo aparente. Até algum tempo atrás eu também achava que não gostava do gênero. Mas vivi recentemente duas experiências engraçadas, que me fizeram rever meus conceitos.

Na última mostra de cinema de São Paulo, tasquei na minha lista de filmes a serem vistos, uma produção austríaca de título La Bohème. Inicialmente, não liguei o nome à obra, apenas achando-o familiar. Fomos eu e minha namorada e logo nos primeiros minutos do filme começou a cantoria. Bati a mão na testa e pensei comigo: "claro seu ignorante inculto, La Bohème é uma opera de Puccini!" E lá se foram mais de duas horas de cantoria ininterrupta. Poucos meses depois, fiquei sabendo da estreia do novo longa do diretor francês Alain Resnais, de 87 anos, cujo nome já basta para que eu vá ver o filme sem mais referências. Chamava-se Beijo Na Boca, Não. E lá estávamos novamente, eu e minha namorada sentados ansiosos, quando nos créditos iniciais aparece em francês que o filme era baseado numa opereta. E lá se foram mais duas horas de cantoria ininterrupta.

Entretanto, exceto pelo fato da surpresa inicial, de se sentar para ver um tipo de filme para o qual não esperava ver, no final chegamos à uma conclusão: de que eram ótimos e que mereciam até serem vistos de novo. La Bohème, dirigido por Robert Dornhelm, é uma produção absolutamente impecável nos figurinos, na iluminação e na interpretação dos atores. Encanta visualmente, de forma grandiosa, como devem ser as boas óperas. Beijo Na Boca, Não, por sua vez, é uma deliciosa comédia de situações, cheia de desencontros e personagens amabilíssimos.

Só depois disso percebi que na verdade eu gostava de musicais, pois passei e enumerar de memória os que já tinha visto e gostado. A lista vai longe, mas destaco e recomendo sempre: A Noviça Rebelde, O Mágico de Oz, Cantando na Chuva, Hair, Chicago, The Rocky Horror Picture Show, Jesus Cristo Superstar, Canções de Amor e até o pouquíssimo conhecido Xanadu. E também entra na lista o que classifico como o único filme que não vi e já gostei: Across The Universe. Incluo também dois dos anos 80, que não eram musicais, mas nos quais a música e a dança são tão presentes que merecem entrar na lista: Flashdance e Footloose.

A história do cinema é recheada de musicais e este é um gênero fundamental para a evolução de Hollywood e da indústria do cinema. Assim como o western, os musicais tiveram uma era de ouro, ascensão, declínio e oscilações ao longo dos anos. Evoluiu em alguns momentos, reinventou-se em outros, pareceu desgastado algumas vezes, e imortal em outras. Já nos deu grandes clássicos e também pífias produções, mas desde que você se permita entrar no clima, tenho certeza que vai se divertir muito e talvez até sair do cinema cantando e dançando, se der uma chance a esse gênero. Afinal, antes de qualquer coisa é preciso provar, para só então "não gostar". Essa lição também eu tenho aprendido, entre um desencontro e outro, mas sempre com boas surpresas.

Leia as colunas anteriores de Rogério de Moraes:

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Para lembrar


Quem é o colunista: gordo, ranzinza e de óculos.

O que faz: blogueiro, escritor e metido a crítico de cinema.

Pecado gastronômico: massas.

Melhor lugar do Brasil: qualquer lugar onde estejam meus livros, meus filmes, minhas músicas, meus amigos e minha namorada.

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Atualizado em 6 Set 2011.