Guia da Semana

De Los Angeles


Os trailers fizeram o trabalho pesado e poucos consumidores de cinema não foram afetados pelo carisma e personalidade atrapalhada do robozinho Wall-E. E tanta expectativa é superada pelo resultado final do longa-metragem, que, novamente, força as barreiras do que é, ou não, capaz a animação. Com pouco diálogo, muita expressão - especialmente quando se trata de dois robôs como personagens principais - e maestria na direção, Wall-E estréia como clássico instantâneo. Há tempos que a Disney não emplacava um personagem infantil tão cativante e poderoso como esse.

Como de costume, a Pixar começa o show da exibição com um curta-metragem hilário ao extremo. Desta vez, quem prepara o terreno para as risadas futurísticas é Presto. Esse mágico bem-sucedido se esquece de alimentar o coelho de sua cartola e vai se arrepender amargamente de ter se esquecido do mascote. São cinco minutos alucinantes, hilários e inesquecíveis regados com muita mágica e, claro, uma cenoura que precisa ser devorada.

Com isso, Wall-E já encontra uma platéia pronta para rir com o último dos robôs programados para limpar a Terra, transformada em lixão inabitável por conta do consumismo e da nossa transformação numa megaempresa, chamada Buy´n Large, ou Compre Exageradamente, que, inclusive, substitui os Governos e comanda o mundo todo. Logo de cara, a mensagem secundária da trama - ecologia - quebra um pouco a expectativa ao mostrar um mundo morto e seu último habitante. Mas, rapidamente, Wall-E entra em cena e começa seu show solitário. Bem, quase, afinal de contas, as baratas continuam a andar pelo planeta, claro!

Wall-E é apresentado e logo surge EVA por quem ele se apaixona. Mas isso tudo mundo já viu nos trailers, certo? Bem, essa é apenas a ponta do iceberg do que a relação entre os dois causará para o que restou da humanidade. E o retrato não é nada agradável, embora a embalagem seja cômica e tecnológica. Sem precisar se movimentar e ter robôs fazendo absolutamente tudo que precisamos para permanecer vivos, os criadores de Wall-E deixaram de lado a previsão apocalíptica à la Matrix para dar lugar a uma raça de gordos consumistas. Tudo que os últimos humanos fazem é comer, beber, andar por aí em cadeiras flutuantes e vivem envolvidos por suas telas e realidades virtuais. A idéia é mais assustadora que a dominação pelas máquinas, pelo aspecto da perpetuação da preguiça e falta de ação.

A trama que o espectador vê diante dos seus olhos é convidativa ao extremo. A paixão pelo personagem já existe, mas os limites do público também serão testados, pois a história convida cada um a participar, a torcer e a mergulhar nas nuanças daquele sujeitinho que, literalmente, tem um parafuso solto. Ele une tudo que é bom, puro e inocente em nosso mundo. É a velha história de precisarmos que uma máquina, inicialmente desprovida de emoção e carinho, nos ensine a viver e amar de verdade.

Embora a chegada de EVA desperte uma paixonite "adolescente" no solitário Wall-E, ele já desenvolvia uma curiosa relação com a Humanidade em sua casinha, ou melhor, almoxarifado de itens curiosos descartados. Ele é aquela criança que pega conchinhas na praia, que guarda todos os brinquedinhos da infância e que sabe de cor o seu filme preferido. Qualquer tipo de cacareco vale! Ele até guarda um VHS com o filme Hello, Dolly! Mas não permite que isso atrapalhe sua diretriz primária: recolher, compactar e empilhar lixo.

A interação entre 3D e trechos de filmes antigos e transmissões de TV é perfeita. Não se espante se a impressão de que se trata de uma animação desaparecer e você, caro leitor, se imaginar diante de um longa-metragem "tradicional". Muito disso é possível pela assinatura visual promovida pela equipe e, claro, aquela mão sempre presente e bem-vinda de John Lasseter, o produtor-executivo. A direção ficou a cargo de Andrew Stanton, veterano da Pixar, que dirigiu nada menos que Procurando Nemo, último grande personagem a emplacar imediatamente, e Vida de Inseto.

Óbvio que um filme envolvendo robôs futuristas não poderia deixar de referenciar o maior, e mais psicótico de todos eles, Hal 9000, de 2001 - Uma Odisséia no Espaço. Há um computador, cuja voz é feita por Sigourney Weaver, decidido a manter o status quo de uma sociedade que não faz nada de diferente, sejam humanos ou robôs. Aliás, o filme de Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke é a maior influência nesse aspecto e ganha outra referência hilária ao som de Assim Falou Zarathustra.

Não há falhas nesse processo coordenado por Lasseter e executado perfeitamente por todas as equipes envolvidas. Essa parece ser a função, ou diretriz, utilizando um dos conceitos do filme, da Pixar: ser perfeita e impulsionar a evolução não só da tecnologia, mas do processo de se contar histórias no mundo moderno. Ainda estamos para ver as palavras "fracasso" e "Pixar" serem grafadas num mesmo parágrafo e, se continuar assim, esse deve ser o tabu mais imbatível de todos os tempos.

E o novo capítulo desse tabu é Wall-E. Um trabalho que educa e alerta pelo aspecto ecológico, conquista com seu "coração", diverte com grande habilidade por conta de suas trapalhadas e parece o sujeito mais importante do mundo durante a exibição. Uma verdadeira viagem a um futuro sujo e tenebroso, mas passível de conserto se as milhares de crianças que assistirão ao filme no cinema e incontáveis vezes em Blu-ray entenderem o recado.

Para Wall-E, porém, tudo não passa da história de sua curiosa vida e, afinal, ele merece algo no meio disso tudo, seu grande romance. Um romance puro, por vezes bobo, mas uma trama comovente construída na base da "interpretação" dos robôs, sem nenhum diálogo além de termos soltos. Todos os sons foram criados pelo mago dos efeitos sonoros, Ben Burtt, que, aliás, dublou o personagem principal.

Na cena mais marcante e antológica do filme, o casal realiza um emocionante balé espacial, dançando pela vastidão do espaço, com toques de humor, repentes de carinho e um resultado de encher os olhos. É o namoro do Windows, velho e sujo, com o Macintosh, branco e moderno.

Respectivamente, Wall-E e EVA. E palavras são mesmo desnecessárias ali, pois, como diz o ditado, o amor é a linguagem universal. Seja para salvar o planeta ou simplesmente para dar novo significado à vida de um pequeno robô. Até chegar nesse ponto, o espectador já embarcou e, com certeza, não vai querer que a exibição acabe tão cedo.

Leia as entrevistas anteriores do nosso correspondente:

  • Agente 86: Elenco do longa fala sobre a diversão no set de filmagem

  • Louis Leterrier: Diretor de O Incrível Hulk fala sobre adaptação do heróis para a telona

  • Joshua Jackson: Astro fala sobre a participação no novo seriado de J.J. Abrams, Fringe


    Quem é o colunista: Fábio M. Barreto adora escrever, não dispensa uma noitada na frente do vídeo game e é apaixonado pela filha, Ariel. Entre suas esquisitices prediletas está o fanatismo por Guerra nas Estrelas e uma medalha de ouro como Campeão Paulista Universitário de Arco e Flecha.

    O que faz: Jornalista profissional há 12 anos, correspondente internacional em Los Angeles, crítico de cinema e vivendo o grande sonho de cobrir o mundo do entretenimento em Hollywood.

    Pecado gastronômico: Morango com Creme de Leite! Diretamente do Olimpo!

    Melhor lugar do Brasil: There´s no place like home. Onde quer que seja, nosso lar é sempre o melhor lugar.

  • Atualizado em 6 Set 2011.