Guia da Semana

História
A gravidez ectópica foi descrita pela primeira vez no século 11. Acreditava-se que era conseqüência de uma forte emoção sofrida pela mulher durante o ato sexual. A primeira documentação desse tipo de gestação foi realizada na autópsia de uma prisioneira executada. O primeiro caso relatado de cirurgia para tratamento ocorreu na França, em 1714. Com o início da prática de anti-sepsia, anestesia, uso de antibióticos e transfusão sanguínea, as taxas de sobrevida cresceram.



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Elas são raras, mas algumas mulheres conseguem gerar o filho na cavidade do abdômen. Poucas, porém, sobrevivem para contar a história. A gravidez abdominal ocorre em uma a cada mil mulheres no mundo e é uma das possibilidades da gravidez ectópica, um tipo de gestação que ocorre fora do útero e pode acontecer de várias formas. A gestação ectópica ocorre em uma mulher a cada 100 nos Estados Unidos, mas o risco de morte é dez vezes maior que o parto vaginal e 50 vezes maior que o aborto induzido, principalmente em pacientes acima dos 30 anos. Segundo a ginecologista Patrícia Magier, os tipos variam entre tubário (95% dos casos), intersticiais ou cornuais (no corno esquerdo ou direito, pontas localizadas na parte de cima do útero), cervicais (no colo do útero), ovarianas e abdominais.

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A secretária Valeska Vieira, 32 anos, não faleceu, mas o filho sim. Um ano após perder um feto de seis meses, ela tentou engravidar novamente e conseguiu. Mas, desta vez, o bebê estava na trompa. "Os médicos tinham um acompanhamento detalhado por eu já ter perdido um filho e, mesmo vendo que eu tinha sangramento, não pediram exame, mandaram que eu ficasse de repouso. Eu fiz uma ultrassonografia por conta própria na emergência de um hospital e fiz a curetagem por ter perdido o bebê. Os sangramentos permaneceram por duas semanas, mas eles diziam que eram restos da curetagem, para eu continuar com os medicamentos, pois ia cessar. Fui para a emergência na terceira semana porque não conseguia andar, de dor. Foi aí que fizeram outra ultrassonografia e descobriram a gravidez na trompa, já rompida e com hemorragia", conta.

O ginecologista e obstetra da maternidade do Hospital Albert Einstein Eduardo Cordioli explica que a única gestação ectópica que pode gerar filhos vivos é a abdominal, pois as outras rompem na oitava ou nona semana. "De qualquer forma, cerca de 95% das gestantes abdominais abortam naturalmente até o quinto mês. Vinte e cinco por cento das que sobram dão à luz um feto vivo. Entre eles, cerca de 70% são malformados e boa parte possui retardo mental, em função da oxigenação ineficiente", diz. A ginecologista Mônica Puget acrescenta que os riscos são grandes para o bebê porque ele não tem a proteção do útero.

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Nessa gestação, também chamada extra-uterina, ocorre a implantação do embrião (óvulo e espermatozóide) fora da cavidade uterina. Dessa forma, ele gruda a placenta em lugares como o reto. Nas primeiras 20 semanas, no entanto, a ligação é feita na superfície uterina. A placenta é, na maioria das vezes, deixada no corpo, pois podem haver hemorragias e lesões caso seja retirada, já que ela fica ligada a vísceras nobres como o fígado. Assim, a paciente deverá ingerir remédios que a reabsorvem.

Durante o pré-natal, é importante fazer exames complementares normais acrescidos de alguns específicos (USG com Doppler). O diagnóstico preciso pode ser realizado com tomografia e ressonância magnética, obtendo imagens com o local exato da placenta. O parto é feito com anestesia geral ou raqui (na coluna), pela cirurgia abdominal (laparotomia exploradora), que tem duração variável, sendo necessárias análises durante o procedimento para evitar grandes sangramentos e riscos maternos. No pós-operatório, recomenda-se abstinência sexual até a próxima menstruação.

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A ginecologista Letícia Beltrão diz que, caso o feto morra precocemente dentro do corpo da mulher, ele pode ser reabsorvido naturalmente pelo organismo. Os critérios mínimos para seguir com a gravidez são feto vivo, placenta no abdômen inferior, longe do fígado e do baço, e saco amniótico íntegro. Durante toda a gestação, a mulher deverá fazer repouso absoluto com acompanhamento médico rigoroso. Os acontecimentos durante a operação vão determinar se ela poderá ter outros filhos depois ou não.

A secreção do HCG (hormônio produzido pelo embrião) e do progesterona ocorre semelhante a uma gravidez normal, começando a falhar com o passar do tempo. Associado a isso, há pouco suporte lúteo (massa de células secretora de progesterona) e muito sangramento. Por causa da má implantação do feto, é comum a diminuição da função pulmonar (hipoplasia), caso ele venha a nascer. A ginecologista membro do serviço de reprodução humana da Escola Paulista de Medicina Denise Coimbra ressalta que, "caso a gestação seja diagnosticada precocemente, deve ser interrompida, por gerar risco de vida materno". Até 12 semanas, a suspensão pode ser feita com medicamentos e, depois, apenas com cirurgia.

Por quê?

Causas da gravidez ectópica
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A gravidez ectópica é mais frequente em mulheres negras com idade superior a 35 anos e as causas são:

? Fatores funcionais tubários (alterações, infecções...)
? Fatores mecânicos (alterações na pelve - aderências, tumores; alterações na anatomia das trompas - obstruções estenoses; etc.)
? Aumento da receptividade da mucosa tubária ao óvulo fertilizado
? Reprodução assistida
? Falha da contracepção (DIU, minipílula, laqueadura)

A ginecologista Letícia Beltrão lembra que 50% dos casos de gravidez ectópica não apresentam fatores de risco. Mesmo assim, fatores que podem ocasionar o problema são:

Alto Risco: história de infecções nas trompas (salpingites), anomalias nas trompas, uso de DIU, prenhez ectópica anterior, endometriose, procedimentos cirúrgicos prévios nas trompas como ligadura e plástica.
Risco moderado: infertilidade tratada com indutores da ovulação, múltiplos parceiros sexuais, infecção ginecológica antiga sexualmente transmissível.
Risco leve: cirurgias abdominais prévias, uso frequente de duchas vaginais, tabagismo, início da atividade sexual com menos de 18 anos.



De acordo com a responsável pelo serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Adventista de São Paulo, Aldemira Farias Koch, as causas da gravidez ectópica incluem os hormônios, uma vez que níveis elevados de estrógeno ou progesterona podem imobilizar a musculatura e os cílios da tuba, fazendo com que o ovo se desprenda no tempo errado e fecunde em local impróprio. Cordioli lembra que não há como evitar o problema e que a inseminação artificial aumenta as chances do tipo cornual. A detecção da gravidez pode começar com a própria gestante, quando ela observar dor abdominal, sangramento genital e princípios de desmaio. Avisando ao médico, ele fará os exames necessários para diagnóstico.

Diagnóstico
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Histórico da Paciente - avalia-se a história menstrual da paciente: alterações do último ciclo, atraso, modificações no fluxo, período fértil.

Exame Físico - o abdômen encontra-se hipersensível à palpação. Ao toque bimanual, poderá ser notado o útero discretamente aumentado ou normal.

Exames Complementares:

Dosagem de beta-HCG - numa gravidez tópica ou normal pode-se identificar o HCG no sangue cerca de sete a dez dias após a ovulação. Quando a gravidez segue seu curso normal, os níveis dobram a cada 48 horas. Caso não ocorra a elevação em mais de 60% em seus níveis no período, suspeita-se de gravidez anormal. O tecido da ectópica pode apresentar níveis mais baixos de HCG em relação à gravidez tópica.

Ultrassonografia (USG) - quando há suspeita de gravidez ectópica, o médico tenta localizar o concepto. Se ele não for encontrado, há anormalidade. Outros achados anormais à ultrassonografia incluem: massa anexial, líquido livre na cavidade peritoneal, saco gestacional com batimentos cardiofetais.

Doppler - o estudo do Doppler colorido transvaginal tem uma sensibilidade de 96% e uma especificidade de 93% no diagnóstico da gravidez ectópica. (indicando o melhor exame complementar para fechar o diagnóstico).

Laparoscopia - às vezes, somente a laparoscopia possibilita o diagnóstico definitivo da gravidez abdominal, permitindo o diagnóstico de 90% dos casos.



Colaboraram:
? Aldemira Farias Koch
? Denise Coimbra
? Letícia Beltrão
? Mônica Puget
Downtown - Av. das Américas, 500, Bl. 04, C.320 - RJ
Fone: (21) 3171-3171
? Eduardo Cordioli
? Patrícia Magier

Atualizado em 10 Abr 2012.