Guia da Semana

Barricada na entrada do prédio da reitoria

A ocupação da reitoria da USP no dia 3 de maio resgatou a expressão movimento estudantil, que só era lembrada quando se falava em tempos remotos da nossa história, como a ditadura militar. Na década de 60, participar da mobilização era um ato de heroísmo, pois significava correr riscos, ser perseguido pelas autoridades e repreendido pela família, que temia o desaparecimento misterioso do jovem militante. Hoje, a imagem que muita gente tem dos estudantes é a de um bando de arruaceiros que faz tudo para não assistir às aulas, já que muitos ideais daquela época foram perdidos com as mudanças político-econômicas.

O que continua tornando o movimento estudantil atrativo para os jovens é, sem dúvida, a rebeldia, nem sempre com sentido negativo, uma vez que vem aliada à luta por melhores condições de ensino e estrutura. Muitos alunos de universidades públicas não têm computador em casa, moram longe do campus nem podem gastar muito dinheiro com material didático. Como as verbas do governo não são suficientes, eles se rebelam e fica a impressão de que são os únicos engajados.

Fred: militante que paga mensalidade
Marcelo Santos, aluno da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas - USP) e membro da comissão de comunicação da ocupação, acha que ser politizado é uma obrigação do aluno de universidade pública: "Mesmo que não seja de nenhum partido ou siga alguma ideologia, só de estar aqui dentro você faz parte da política, você é um número, uma estatística do governo". Frederico Antonelli, aluno e membro do centro acadêmico da Faculdade Cásper Líbero, destaca a importância do apoio de alunos das universidades particulares ao movimento: "A universidade pública é um direito de todos, não só de quem está matriculado lá, mas de toda a comunidade. Independente da classe social, todos sustentam a universidade pública. Na particular, existem várias limitações para o militante. O dono, a mensalidade, a bolsa de estudos".

Você sabia que...
A verba da USP é de 1,9 bilhão por ano?

A greve
A mobilização que afeta os campi do interior, alguns da Unesp e a Unicamp, além de universidades de outros Estados que se solidarizaram, começou com uma carta de reivindicações dos alunos que a reitoria se recusou a receber. E foi assim, sem nenhum plano mirabolante, que eles colocaram José Serra (PMDB) e a reitora Suely Vilela em maus lençóis. Entre as 17 exigências, as principais são a revogação dos decretos do governador, que quer diminuir a autonomia das universidades, centralizando decisões sobre linhas de pesquisas e remanejamento de verbas; a criação de mais 700 moradias estudantis (atualmente, existem 1400 vagas em apartamentos para três pessoas, só que alguns chegam a abrigar 11 alunos); a contratação de professores e construção de novos prédios (os cursos de geografia e história estão superlotados, com 120 alunos por classe quando o ideal seria 70, além de salas de aula improvisadas) e ônibus circular e restaurante universitário todos os dias, não apenas nos úteis.

A greve no campus Piracicaba
Foto: divulgação
O mandato de reintegração de posse expedido pela Justiça no dia 16 deixou os estudantes apreensivos, mas preparados para a resistência. A expectativa era de confronto com a tropa de choque da Polícia Militar. "Agora, nós não estamos tranqüilos nem apreensivos, mas sim, trabalhando", afirma Marcelo. A entrada no prédio da reitoria é controlada, mas não pense que é porque os estudantes querem esconder algum tipo de depredação. Álvaro Coimbra visitou as instalações e conta o que viu: "A consciência e organização do movimento são altíssimos, não existe nenhum ato de vandalismo no prédio como se veicula na mídia". Ele é funcionário do campus Piracicaba, que apesar da greve, está com a agenda cheia - como todos os outros. As atividades vão desde passeatas, campanha salarial, mesas de debates e atividades culturais.

Você sabia que...
O atual governador José Serra já foi presidente da UNE
e professor da Unicamp?

Para pensar
Quem melhor que os estudantes para ajudar o governo a perceber as dificuldades que eles enfrentam no dia-a-dia? O movimento estudantil foi e ainda é muito importante para a educação, pois contribui para discussões como a reforma universitária, o passe livre e as cotas. Não existem mais os líderes carismáticos do passado, não se vê siglas de partidos políticos e tradicionais entidades estudantis, como a UNE (União Nacional dos Estudantes), quase não são lembradas. Tudo é decidido em conjunto, nas assembléias. Eles não querem só aparecer, pois, até agora, nenhuma emissora de TV entrou no prédio da reitoria para preservar a imagem dos estudantes. As negociações não avançam, mas, mesmo assim, a polícia não invade. Essa é a nova cara do movimento estudantil.

Sem dúvida, esta mobilização é inédita. Cerca de 300 estudantes estão acampados no prédio e organizam-se em comissões, entre elas: negociação, comunicação, segurança, alimentação e cultura. "A auto-gestão é uma nova forma de organização e nós mostramos que funciona", explica Marcelo. Sem contar que a greve fez os estudantes perceberem sua força e lutar por seus direitos em diversos pontos do país. Até quem não era engajado está aproveitando para saber mais sobre movimento estudantil. "A integração é um dos principais ganhos. Do ponto de vista do acúmulo político, só saberemos depois de algum tempo. Mas o importante é que as pessoas vão continuar militando de algum jeito, em algum lugar", finaliza.

Atualizado em 1 Dez 2011.