Guia da Semana

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Um MP4 ofuscou os olhos de Janaína*, que passou da vitrine para o caixa em poucos minutos. Será que foi difícil aos 15 anos usar o cartão de crédito emprestado pelo avô? "De jeito nenhum", afirma. Depois de muitas compras e badalação, a dívida acumulada era de quase dois mil reais. "Não me arrependo de ter comprado, só acho que não tinha tanta necessidade", diz. Como a maioria dos casos, quem cobriu o rombo bancário foi o pai da garota.

Impulsivos, entusiasmados com as novidades que o mercado oferece, principalmente dos eletrônicos e vestuário, e seduzidos pelo status da suposta liberdade trazida pelo uso de cartões de credito ou contas bancárias, jovens menores de 20 anos, com pouca renda ou sem trabalho e experiência, contraem dívidas com juros altos e deixam o nome no vermelho antes de entrar na vida adulta. Uma pesquisa divulgada pela Telecheque, no primeiro semestre de 2006, revelou que essa faixa etária representa 16% dos inadimplentes de cheque sem fundo. De acordo com a CDL-BH, Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte, 65% das pessoas menores de 21 anos estão devendo para as operadoras de cartões de créditos.

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O SPC, Serviço de Proteção ao Crédito, diz que em 2007 os nomes sujos entre os menores de 20 anos chegou a 7%. Em 2002, esse número era de 2%. Na avaliação do economista da CDL-BH, Fernando Sasso, o resultado é reflexo da crescente entrada dos jovens no mercado de concessão de crédito, assim como do aumento das contas universitárias. "Hoje, diferente de 15 anos atrás, o adolescente tem mais acesso, tudo está facilitado, a burocracia é menor. Além disso, as estratégias das administradoras e operadoras de cartões, que querem a ampliação do mercado, fazem desse público alvo fácil e vítima das campanhas publicitárias".

Théo: "carrego a dívida até hoje"
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Foi olhando para as condições da conta universitária que o técnico em informática Théo Castelo Nogueira de Araújo viu, aos 18 anos, a dívida com o limite do cheque especial se transformar de 800 para dois mil reais. "Quando era novo gastava muito! Com minhas farras, amigos e banalidades. Só consegui pagar, a metade, graças a um ´empréstimo´ da minha mãe e o salário de um mês inteiro. O restante eu deixei e, quando vi, já estava maior que a dívida inicial". Hoje, aos 25 anos, ele ainda briga com o banco por causa das taxas de manutenção das contas atrasadas.

Característico, o perfil do adolescente endividado, segundo o economista da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solineu, é a falta de maturidade na administração do próprio dinheiro. "Geralmente esses jovens são de famílias de classes B e C, que não têm uma preparação de administração e nem responsabilidades com a família. Além disso, sofrem o efeito da propaganda e da influencia dos amigos", diz. Outro ponto levantado por Solineu é a sensação de poder consumir. "Com um cartão ou talão de cheques na mão, eles se sentem potentes e logo querem mostrar isso ao mundo".

Quem paga a conta?

Marcela: "Sou muito consumista"
Foto: arquivo pessoal
17 anos e nova no mercado de trabalho. Foi com esse perfil que a universitária Marcela Rossini olhou as "oportunidades" em uma grande loja do varejo. Não teve dúvidas, entrou e comprou a tão sonhada câmera fotográfica digital. Além da máquina, roupas, mais eletrônicos e até uma bicicleta recheou a casa da jovem. Como não era maior de idade, a estudante precisou do nome dos pais para fazer o crediário, o resultado: quatro carnês de lojas diferentes e parcelamentos em até 10 vezes. Quem pagou a conta? Ela mesma responde: "Eu paguei cinco prestações da máquina, meus pais pagaram todo o resto".

O economista Fernando Sasso é categórico ao afirmar que boa parte dos adolescentes não faz a dívida no próprio nome porque não tem renda e, quando tem, a idade breca o crediário. "O final da história quase sempre é o mesmo. Para não ficar com o nome sujo, ou os pais pagam a conta feita pelo filho, ou o jovem procura a loja e parcela, em média, de cinco a nove vezes o montante da dívida e acaba se enrolando para pagar".

Quantas possibilidades...

Uma análise feita pela Credicard/Itaú mostrou que 70% dos adolescentes portadores de cartões de crédito estão entre 12 e 15 anos e que esse público efetua em média três transações ao mês, contra duas realizadas pelo mercado total. Falando em crédito, o Real, por exemplo, foi o primeiro banco, em 1986, a oferecer a conta universitária sem comprovação de renda com várias opções de cartões e talão de cheques. Segundo o coordenador do segmento universitário e jovem profissional do Real, Daniel Mitraud, hoje eles representam 17% da base de clientes.

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Fazendo uma pequena pesquisa na internet, é possível encontrar mais de 10 instituições que brigam por esse mercado. No caso do Real, Mitraud conta que nesse cenário, bastante competitivo, os detalhes são importantes. "Quando o cliente se torna correntista recebe algumas orientações financeiras de como usar o banco. Também criamos o canal universitário, que traz informações sobre sustentabilidade e investimentos, além do Chat ao vivo que esclarece as dúvidas mais freqüentes". A Caixa Econômica Federal também possui esse tipo de conta desde 2004. Em troca, o banco não oferece cartilha nem uma orientação especial.

Como eles pré - aprovam o crédito? Será que existe um controle para que os jovens não sejam inadimplentes? Segundo Marcel Solineu, a abertura da conta é feita sem muito critério. "Se, por exemplo, o jovem pagar uma conta com um cheque e estiver sem fundos é o comercio que vai correr para receber e não o banco. A relação de parceria é menor porque a instituição financeira não tem perdas com isso". No caso das operadoras de cartões de crédito, o economista afirma: "cruzando os dados de inadimplência e taxas de juros, o limite dado compensa a perda".

Será que eu saio dessa?

A punição pelos gastos incontidos: nome sujo, restrição de crédito e uma conta cinco vezes maior, além de uma bela lição de administração. Para o professor de finanças da Trevisan Escola de Negócios, Edemir de Melo, a primeira atitude a ser tomada é não entrar em pânico. "Esse sentimento é um péssimo conselheiro", diz. A segunda é procurar um órgão de defesa do consumidor, "esse tipo de delegacia pode orientar sobre os juros abusivos praticados pelas instituições". Em terceiro lugar, pare de gastar. "Se a pessoa continuar na roda viva ela não coloca cabo na situação".

Foto: Renata Fiore
Quarto e último passo: não tenha nenhum tipo de constrangimento ao negociar a dívida. O professor é categórico: "enfrentar o problema não significa fazer bobagens ou absurdos do tipo, se endividar para cobrir outra dívida" e ainda conclui "planejamento financeiro é a principal arma para evitar o endividamento. Se o jovem quer viver com tranqüilidade, ele precisa aprender a poupar, ter objetivos bem definidos, ser coerente em suas compras e ter disciplina frente as várias ofertas".


* O nome foi trocado a pedido da entrevistada

Atualizado em 6 Set 2011.