Guia da Semana

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Educar os filhos dentro das tradições religiosas pode ser um problema para a criança na fase de crescimento se os ensinamentos tiverem uma conotação exagerada das crenças impostas. Porém, ter uma base moral, independente da religião, forma um ser humano mais seguro e com senso mais apurado de respeito ao próximo.

Especialistas ressaltam que, apesar da tradição familiar, a criança não vai viver eternamente moldada pelo que aprendeu na infância, e a escolha de seguir suas vontades deve ser respeitada.

Na sociedade, a religião tem um papel importante no que diz respeito à transmissão de valores. Mas, e quando os pais decidem por criar filhos livres de religiosidade? Alejandro Rozitchner e Ximena Ianantuoni, casal formado por uma psicóloga e um filósofo, escreveram o livro Filhos sem deus - Ensinando à criança um estilo ateu de viver (Ed. Martins).A obra apresenta preceitos morais independentes de religiosidade e traz algumas respostas atéias para as freqüentes perguntas dos pequenos. Ao ser questionado sobre a existência de Deus, Alejandro diz, "Sim, existe. É uma idéia que muitas pessoas têm. É um ser imaginário, uma espécie de personagem, como aqueles dos filmes, uma espécie de superpai".

Porém, muitos podem discordar deste modo de criar os filhos. Na opinião da professora Regiane Tocci, coordenadora religiosa de um colégio católico, faz falta ser criado em um lar com crença definida, segundo ela, é possível até notar uma postura diferente dos alunos que chegam sem uma formação religiosa, "A base da religião aqui é amor e respeito. Nos alunos que estudaram a vida inteira aqui, a gente percebe um jeito mais afetuoso".

Neste ponto, a psicopedagoga Raquel Caruso ressalta, "Independente da existência de Deus, pai e mãe precisam saber quais são os valores mais importantes que querem transmitir aos filhos. Precisam impor limites e mostrar o respeito ao próximo", e a socióloga Cristina Maria Castro completa, "Uma criança não precisa de uma formação religiosa para desenvolver uma postura ética em relação à vida. Pais não religiosos podem ensinar seus filhos a agir de forma não violenta com relação aos colegas e à natureza, sem necessidade de imputar em seus filhos a crença em entidade sobrenatural e/ou em uma possível punição pós-morte física".

Ensino

Mesmo sem religião, alguns pais optam por colocar os filhos em colégio ligados a crenças, isto porque igreja e conhecimento sempre estiveram muito ligados, este elo se fortaleceu principalmente nas universidades da idade média. Além disto, a família também se preocupa com a formação moral e humana que deseja para as crianças e muitas vezes, uma escola religiosa parece uma boa opção.

É preciso tomar cuidado com o colégio que será escolhido, pais e professores precisam ter prioridades iguais. Portanto, conhecer o método de ensino do local é fundamental. Um exemplo disso é um caso que a psicopedagoga Raquel Caruso conta, "um paciente estava com problemas na escola. Ia muito mal nas aulas de educação religiosa e isso afetava seu envolvimento com outras matérias. Ele era de uma religião que não acreditava em santos e imagens, mas estava em uma escola com nome de santa e cheia de imagens. Então, a criança fica confusa e não sabe como agir".

Apesar de ser católico, o colégio onde Márcia Almirall dá aulas tem ensino religioso, que é baseado no "senso religioso, que é inato", porém, não apresenta os dogmas ou foca suas aulas em uma religião específica.

Nas aulas do teólogo Rafael, professor adventista de religião, o foco não fica na crença, mas sim, em inteligência moral e desenvolvimento humano. A Bíblia é tratada, sobretudo como evidência histórica e os alunos são levados a praticar caridade.

Excesso

A psicopedagoga relata que já atendeu em seu consultório alguns casos em que a crença extrapolou o limite da normalidade. Em um deles, uma criança, filha de uma religiosa fervorosa, entrou em convulsão porque comeu algo que não era permitido pelo seu credo. Há um tempo, um caso emblemático teve destaque na mídia, Ana Carolina Dias, conhecida por Menina Pastora, pregava e chorava em cultos televisivos.

Segundo a especialista, é preciso tomar cuidado ao passar a religiosidade para a criança. Pais muito religiosos, que colocam a igreja acima de tudo, podem passar valores equivocados, como, por exemplo, ao colocar a sua religião melhor do que as demais e dizer que todos os outros estão errados. Assim, a criança não aprende valores como amor e respeito ao próximo, o que pode gerar problemas posteriores, por exemplo, preconceito e intolerância.

De qualquer forma, a religião pode servir como uma maneira de conversar sobre filosofia e ética com os pequenos. Independente do credo, ter um filho é uma maneira de transcender à própria morte. É um pouco dos pais que sobrevive e dá continuidade aos ensinamentos e perdura no tempo.



Fontes:

Cristina Maria de Castro
Socióloga
Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)


Márcia Amirall
Professora - Ciências
Colégio Santa Maria

Raquel Caruso
Psicopedagoga
Clínica Multidisciplinar EDAC - Equipe de Diagnóstico e Atendimento Clínico

Rafael Cabral.
Professor de Religião
Rede Adventista

Regina Tocci
Diretora de Ética e Religião
Colégio Santo Américo

Filhos Sem Deus - Ensinando à criança um estilo ateu de viver
Alejandro Rozitchner e Ximena Ianantuoni
Editora Martins

Atualizado em 6 Set 2011.