Guia da Semana

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No início do ano que vem, quando entra em vigor o Acordo Ortográfico que unificará a língua portuguesa falada nos países que fazem parte da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), palavras como "tranqüilo", "lingüiça", "lêem", "idéia", "jibóia", "enjôo", entre outras, passarão a ser escritas de outro modo: "tranquilo", "linguiça", "leem", "ideia", "jiboia", "enjoo". Isso porque dos oito países que fazem parte da CPLP - Brasil, Cabo Verbe, São Tomé e Príncipe, Portugal, Timor Leste, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau - Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe já assinaram o acordo que tem como objetivo criar uma escrita única nos países que possuem o português como língua materna. Conforme o acordo prevê, as modificações só poderiam acontecer caso três, dos oito países, ratificassem o acordo, fato que ocorreu em novembro do ano passado, com a adesão de São Tomé e Príncipe.

Além das modificações indicadas pelas palavras acima - o desaparecimento do trema, do acento circunflexo na terceira pessoa do plural no presente do indicativo ou do subjuntivo, dos ditongos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas e do acento circunflexo nas oxítonas terminadas em "o" duplo -, o alfabeto passará a ter 26 letras com a incorporação de "k", "w" e "y" e não existirá mais o acento que diferencia "pára" (verbo) de "para" (preposição)". Mas as mudanças não são só do lado de cá, em Portugal cairá o ´h" inicial de algumas palavras, como "húmido" e "herva" e o "c" e "p" quando não forem pronunciados, como "acção" e "óptimo", que passarão a ser "ação" e "ótimo". Alíás, enquanto no Brasil 0, 45% das palavras serão alteradas, em Portugal o índice é de 1,6%.

A princípio, não dá para saber ainda em que medida o Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa poderá ser benéfico ou não no âmbito cultural e político. Muitas questões estão sendo discutidas e já existem as tomadas de posição mais radicais dos totalmente "contra" ou "a favor" do tal acordo. A questão é que analisando os pontos que estão sendo levantados pela CPLP sobre a necessidade do acordo - a facilitação do intercâmbio cultural, o fortalecimento e difusão da língua, a aproximação dos países lusófonos, a criação de um idioma de trabalho para fins diplomáticos, etc., -, alguns aspectos parecem, no mínimo, um pouco estranhos. Desde quando a leitura de textos portugueses é um empecilho para nós (e vice-versa)? A partir de que momento uma mudança na língua, realizada por lei e não por força do uso de seus falantes, pode ser tomada como fortalecimento dela? Como se pode falar em unificação ortográfica visto que ainda haverá diferenças, as chamadas "exceções", na ortografia dos países da CPLP? Por que o inglês, que tem duas ortografias - a americana e a britânica -, não enfrenta os mesmos "problemas" que o português? O que farão com todos os livros e dicionários das bibliotecas e escolas já que, teoricamente, eles estariam desatualizados? O mercado editorial se fortalecerá com as aquisições que precisarão ser feitas por alunos e professores?

Estes seriam apenas alguns poucos questionamentos que podem não necessariamente nos conduzir a uma tomada de posição, mas que indicam que, como em quase tudo na vida, há muitos interesses em jogo.


Quem é a colunista: Carolina Yokoda é Mestre na Área de Linguagem e Educação
O que faz: Professora de Português do Colégio Humboldt
Pecado gastronômico: Nhoque
Melhor lugar do Brasil: Avenida Paulista, pela diversidade cultural que ela proporciona .
Fale com ela: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.