Guia da Semana

Chega aos cinemas um time de criaturas adoráveis - um pouco esquisitas, feiosas e perdidamente medrosas, é verdade. Mas não duvide: de dentro de suas caixas, do subsolo de Pontequeijo, os Boxtrolls vão conquistar você.

O filme foi produzido pelo estúdio Laika (“ParaNorman” e “Coraline e o Mundo Secreto”) e estreia em outubro de olho no público infantil, mas merece a atenção de qualquer adulto que se interesse por animação.

Os cenários e os bonecos foram construídos à mão e os movimentos foram conquistados com um mix de stop-motion, desenho e computação gráfica. O resultado são quadros caprichosamente detalhados, com recursos expressionistas (linhas de expressão reforçadas, perspectivas tortuosas e jogos de luz) e uma animação ágil e fluida.

“Os Boxtrolls” é uma inspirado no livro “A Gente é Monstro!”, de Alan Snow, e dirigido por Graham Annable e Anthony Stacchi. O roteiro, assinado por Irena Brignull e Adam Pava, é bastante previsível, mas ganha pontos nos detalhes.

A aventura se passa numa cidade vitoriana chamada Pontequeijo, onde os moradores vivem sob um toque de recolher, temendo as criaturas que vivem no subterrâneo. Segundo o exterminador Arquibaldo Surrupião, elas comem criancinhas e roubam queijos.

Esses seres são os Boxtrolls – construtores natos que vivem dentro de caixas, debaixo da cidade, e roubam sucata dos lixos e das ruas à noite. Eles não comem criancinhas, mas adotaram um menino humano – a quem chamam de “Ovo”. Esse é o nosso herói, e vai lutar para provar aos pontequeijanos que os Boxtrolls são criaturas boas.

Na verdade – e isso é o mais original – o que move Ovo não é a revolta pela captura de seus colegas, mas sim a constatação de que eles são vítimas porque vivem se escondendo em suas caixas e nunca se atreveram a confrontar Surrupião.

Tomando a atitude de ir à superfície à luz do dia, se aliar a uma humana e denunciar a injustiça diante de todo o povo (mesmo que esse não lhe dê atenção), Ovo simboliza a coragem para se defender e se assumir. A mensagem libertadora pode valer à primeira vista para crianças tímidas e para pessoas oprimidas em geral, mas é especialmente válida para jovens homossexuais – o primeiro teaser, afinal, mostrava uma série de famílias diferentes, formadas por duas mães, dois pais, tios, etc., até chegar nos simpáticos pais-caixas.

Além do herói Ovo e sua família de Boxtrolls, o filme deve parte de sua força aos coadjuvantes, que também carregam suas mensagens. Dois capangas (Truta e Picles), por exemplo, vivem discutindo sobre o que chamam de “dualidade entre o bem e o mal” – instigando a criança a questionar quem são os vilões e os bonzinhos naquela história, como na vida real.

Winnie, a amiga humana do protagonista, também é uma personagem incomum: ela é rica e refinada, mas adora histórias de horror e é essa curiosidade mórbida que a leva aos Boxtrolls. Ela não tem as boas intenções de Ovo, mas busca uma boa aventura – como a maioria das crianças que os assistem.

Já seu pai representa os valores distorcidos daquela sociedade: dono de um “chapéu branco” e, consequentemente, de muito status, ele às vezes se esquece de dar atenção à família e às necessidades do povo – mas nem por isso é vilão. O vilão, esse sim, é 100% mau – mas mesmo sua vida tem um toque de tragédia que vai muito além do clichê do trauma infantil: ele tem um sonho completamente inalcançável.

Infantil na história e adulto nas entrelinhas, “Os Boxtrolls” fogem do padrão cômico-bobo de alguns sucessos recentes e oferece aquele “algo a mais”: um texto bem escrito, uma animação bem feita e um trabalho artesanal que só pode ser descrito como uma obra de arte.

Nota: aguarde a cena extra durante os créditos.

Assista se você:

  • É fã de animação
  • Gosta do livro de Alan Snow
  • Quer levar seus filhos para verem um filme leve, inteligente e divertido

Não assista se você:

  • Não gosta de stop-motion
  • Não gostou de “Coraline e o Mundo Secreto” ou “ParaNorman”
  • Não gosta de filmes infantis

Por Juliana Varella

Atualizado em 3 Fev 2015.