Guia da Semana


Que tipo de pessoa vê um semelhante, nu, desnutrido e praticamente à morte e assobia? Eu respondo: garotos de dezessete anos, da classe média alta, que tiveram boa formação educacional e (supõe-se) moral. Por mais perplexo que você consiga ficar de vez em quando com a crueldade do mundo, nada nunca me atingiu com tanta intensidade quanto a falta de respeito dos meus colegas de classe, durante a exibição de um documentário sobre a Segunda Guerra Mundial.

O que quer que tenha sido o mais ridículo - ainda não decidi se foi o assobio ou se a onda de risadas que o seguiu - fez com que eu passasse o fim de semana inteiro me perguntando exatamente o quê estava acontecendo. Precisamente em que momento, coisas lamentáveis como o Holocausto viraram motivo para piadas estúpidas? Vemos indícios disso todos os dias. Quando os aviões da TAM caíram, quanto tempo demorou até que brincadeiras sobre isso circulassem pela internet? Quando a corrupção saltou aos nossos olhos (mais uma vez), o que fizemos?! Mais comédia sobre cuecas cheias de dinheiro e cartões de créditos que usam verba pública.

Analisando o comportamento de pessoas da minha idade, tenho medo do que vêm pela frente; o que as gerações seguintes à minha aprenderão? A rir ao invés de agir? Sorrimos porque achamos que está tudo perdido, quando, na verdade, está perdido porque rimos. Não posso dizer que muito poderia ter sido feito pelo judeu que apareceu naquele documentário - ele já está morto há mais de cinqüenta anos - mas o mínimo que poderíamos ter feito era dedicar-lhe um silêncio respeitoso, porque ele foi uma vítima, não de uma fatalidade, mas de um governo tirânico e legítimo - afinal de contas, foram pessoas como nós que colocaram Hitler no poder.

No entanto, medidas podem ser tomadas a respeito da criança que faz malabarismos no sinaleiro, das escolas públicas que não funcionam como deveriam, da violência e da corrupção. Tudo o que é preciso é que paremos de achar graça das catástrofes sociais e ver como motivo de lástima o que deve ser lastimado. Agir, ao invés de quebrar nossas cabeças, procurando por um lado engraçado em algo que nada mais trouxe do que sofrimento e desgraça. Parar de se conformar e fazer algo a respeito de tudo que acontece à sua volta. Se envolver, lutar.

Então, lembro dos meus colegas de sala se divertindo de uma pessoa à beira da morte e, inevitavelmente, recordo que daqui há dez, quinze anos, eles serão pais. Temo por essa geração seguinte, porque se seus pais pensam que o Holocausto é motivo de diversão, tenho medo do que os filhos farão quando o Brasil estiver em suas mãos.

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Quem é a colunista: Gisele Zwicker. Para ela, um fim de semana perfeito envolve um bom livro, um bom filme e uma ida ao teatro.

O que faz: Preparando-se para prestar o vestibular.

Pecado gastronômico: Filé de frango com arroz.

Melhor lugar do Brasil: São Paulo, Capital. Não há lugar melhor que o lar.

Fale com ela: [email protected]

Atualizado em 1 Dez 2011.