Guia da Semana

Foto:Getty Imagens


A cena é comum: filhos trancados no quarto na internet e, do lado de fora, pais desorientados, indecisos entre regras rígidas ou rendição total às novas tecnologias. Afinal de contas, a internet é essa nova e fantástica tecnologia que aproxima as pessoas e promove o aprendizado, ou uma demoníaca rede repleta de pornografia, violência e milhares de oportunidades de uso improdutivo do tempo?

As palavras de Marshall McLuhan, um dos mais importantes teóricos da comunicação do século XX, iluminam esse debate: "nós criamos tecnologias, e as tecnologias nos recriam". Em outras palavras, seres humanos e artefatos tecnológicos vivem em simbiose, ou seja, o avanço tecnológico e a evolução humana são conectados e simultâneos - pense em como a vida desmorona em apenas algumas horas quando falta energia elétrica. As tecnologias são não externas à vida, aliás, como diria Pierre Lévy, é o uso das tecnologias que nos faz terrivelmente humanos.

Para os jovens, portanto, não há distinção entre o mundo da internet e o mundo físico. Para eles, internet e computador nem são "tecnologias", mas artefatos absolutamente normais e cotidianos. Suas relações virtuais são tão reais quanto aquelas de carne-e-osso, o que pode até parecer absurdo para muitos adultos. Portanto, quando proibimos que a criança use a internet (que é, para nós, algo ´separado´ do mundo), na cabeça dela estamos apenas proibindo-a de viver.

O fundamental é estruturar uma vida cognitiva e emocionalmente saudável que inclua as novas tecnologias de forma produtiva. Herbert Simon, Nobel de Economia em 1978, dizia que na era do computador, "informação não é o recurso escasso, o que é precioso é o tempo e a atenção humana". Portanto, hoje o foco não é mais na escassez de informação, mas na articulação da atenção e na interpretação de idéias - o que, infelizmente, nossas escolas ainda não sabem como ensinar. Ao contrário, o que seus filhos aprendem na escola é apenas pesquisar na internet, como se pesquisa em uma biblioteca. Claro, abundância de informação não gera capacidade analítica por si só. E os grandes teóricos do uso das novas tecnologias na educação, como Seymour Papert, dizem que a tecnologia deve ser usada sobretudo para converter consumidores de informação em produtores de conhecimento, leitores em escritores, espectadores em cineastas. Diante desse novo e difícil cenário, o que os pais devem fazer? A seguir listamos seis idéias que podem ajudar.

1) Fique atento aos primeiros meses de uso da internet e do computador. Desde o começo, tente equilibrar atividades de relacionamento online, entretenimento e educação. Escolha bem os softwares e sites, evite produtos que tentam ´adestrar´ a criança, ou jogos educativos simplistas, do tipo ´tiro ao alvo com matemática´. Desconfie de produtos que não tem uma equipe de psicólogos ou educadores entre seus projetistas. Dedique tempo para destacar conteúdos positivos, em vez apenas se preocupar com bloquear o que não é apropriado.

2) Faça do computador um objeto social, não individual. Coloque o computador "das crianças" na sala da casa, e não no quarto delas. Se forem laptops, crie um espaço onde todos trabalhem juntos.

3) Participe do mundo ´online´ de seus filhos. Muitos pais não hesitariam em assistir a apresentação de teatro dos filhos, mas nunca teriam paciência para assistir eles "zerando" o Super Mario, arranjando uma namorada no "The Sims" ou visitando um novo site que eles descobriram. Participe desse mundo, acompanhe o que eles fazem, valorize suas conquistas "virtuais".

4) Procure direcionar as crianças para atividades de geração dos conteúdos e produtos, em vez de apenas consumi-los. Por exemplo, estimule-os a criar seus próprios sites e blogs, ensine-os fotografia digital, coloque em um curso de robótica (ou compre/monte um kit de robótica educativa, como o Lego Mindstorms, Vex, ou a Gogo Board).

5) Hoje há uma infinidade de linguagens de programação de computadores para crianças, fáceis de aprender e muito mais interessantes do ponto de vista educacional do que sites ou jogos, como NetLogo (ccl.northwestern.edu/netlogo), Scratch (scratch.mit.edu), AgentSheets (www.agentsheets.com), Squeak (www.squeakland.org) e Microworlds Logo (www.microworlds.com). Muitas dessas linguagens usam blocos ou ícones, fazendo a programação acessível por crianças mesmo antes dos 10 anos.

6) Crie projetos em conjunto, de preferência integrando a família e a comunidade. Por exemplo, proponha a criação de um site sobre a história da família com entrevistas e fotografias; ou um sistema robotizado de coleta de lixo para o seu bairro. Faça parte dos projetos e delegue a elas a coordenação. Por exemplo, você pode ser o fotógrafo, o narrador ou o motorista. Muitos dizem que essa geração é "burra", pois, supostamente pendurada no Orkut, não sabe nomes de presidentes ou datas históricas. O mesmo foi dito da televisão há trinta anos. Claro, largadas à própria sorte, as crianças investirão um tempo enorme em sites de relacionamento (aliás, como faziam antes, na rua, na escola, no clube) e possivelmente lerão menos livros, estudarão menos. Em vez de achar que a culpa é das crianças ou dos computadores, talvez o problema seja o que os adultos colocam - ou deixam de colocar - dentro deles.

Quem é o colunista: Paulo Blikstein

O que faz:Doutorando em novas tecnologias para educação, Northwestern University, Chicago.

Pecado gastronômico: uma pizza de muzzarela paulistana (principalmente para quem está longe do Brasil...)

Melhor lugar de São Paulo: andar sem rumo pela Avenida Paulista.

Fale com o colunista: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.