Guia da Semana

O paulistano de 33 anos (quinze anos só de carreira) descobriu sua grande vocação numa pista de skate da zona norte de São Paulo: a fotografia. Das ruas às revistas e galerias de arte, Flavio Samelo é hoje um dos grandes ícones da arte urbana brasileira.

"Eu faço o que faço hoje porque eu ando de skate", conta o artista. A fotografia surgiu para ele como uma diversão. Já que não andava bem de skate, passou a tirar fotos. "Eu não sabia tirar foto e não sei até hoje", ressalta.

Modéstias a parte, Flavio tem trabalhos publicados em revistas de peso como a Tribo, Rolling Stone nacional, MTV e a alemã Lodown. Participou também de exposições de artes ao redor do mundo, desenhou um tênis da Nike e publicou o livro Skate Arte. Depois de quatro anos no exterior, volta ao Brasil para criar um estúdio de design e fotografia com a esposa e tem seus trabalhos na revista Vista, do Rio Grande do Sul. Entre uma correria e outra, Flavio Samelo pausa 40 minutos para conversar, com toda simpatia e boa vontade, com o Guia da Semana sobre fotografia e arte urbana.

Guia da Semana: Quando você começou a tirar fotos?
Aos nove anos de idade eu já andava de skate com uma galera que era muito boa. E eu sempre fui muito ruim, mas como eu queria continuar andando com meus amigos, inventei que era fotógrafo. Comecei a fotografar em 1991, eu não sabia tirar foto e não sei até hoje. Fui tirando, tentando, no erro e acerto mesmo. Em 1996, tive uma foto publicada na revista de um amigo. Aí um dia, um cara gostou de uma foto minha e quis fazer um anúncio com ela. E depois pediu outras. Passei então a tirar fotos para revistas de skate, a 100%, a Vista. E eu nunca tinha estudado nada de fotografia. Me formei em publicidade e depois que saí da faculdade trabalhei muito, era diretor de arte, escrevia e fotografava. Só em 2004, decidi fazer uma pós-graduação em História da Arte, dali em diante meus trabalhos evoluíram muito.


Guia da Semana: Você é adepto das fotografias digitais ou ainda prefere as analógicas?
Uso os dois, mas prefiro a digital, com certeza. Acho que essa conversa de que a analógica é melhor é uma grande besteira. Quem trabalha com foto e tem que entregar tudo rápido, não vai usar filme analógico. Não é pratico, em São Paulo só tem dois lugares que revelam filme em cromo e ampliam. A qualidade da foto depende da pessoa que faz, do olho e da iluminação, se é filme ou digital, para mim, não tem diferença nenhum.

Guia da Semana: Qual é sua principal influência na fotografia e artes plásticas?
Gosto muito da experimentação dos fotógrafos modernos brasileiros da década de 50, como o Geraldo de Barros. Sempre fotografei e desenhei em cima das fotos, fazia colagens, cromo, gostava de revelar filme ao contrário, estragar a coisa para ver o que dava. E quando eu conheci a produção e a filosofia desse grupo, me identifiquei totalmente. Comecei a seguir principalmente a parte estética, a geometria, a influência do concretismo que eles tinham muito na época e que nós encontramos hoje no graffiti. Segui um pouco a estética deles e adaptei a uma versão 2010.

Guia da Semana: De uns tempos pra cá, seu trabalho como artista plástico também passou a ser reconhecido...
Depois do meu curso de História da Arte e influenciado por esse movimento da arte moderna brasileira passei a explorar mais as texturas, tirar mais fotos de arquitetura, fachadas de prédio e casas, por trás do skate e também a desenhar mais. Fiz curso de desenho de observação, desenho cego e desenho realista. Tentei então misturar as duas coisas, desenho e fotografia, que é o que eu mais faço hoje. O que estou fazendo agora e até expus na Bienal de Curitiba, é aplicar foto na parede, como adesivo, e pintar usando as linhas da arte concreta e neo-concreta que dá uma amplitude gráfica na imagem.


A obra de arte de Flavio Samelo que foi exposta em Miami

Guia da Semana: Você também faz trabalhos ligados à moda urbana, customizou e desenhou acessórios. Como você foi da arte de rua à moda?
Isso começou em 2005. Lá fora, o pessoal já conhecia meu trabalho porque eu tinha fotos publicadas em revistas de skate da Alemanha e Estados Unidos. Eu comprava uma revista na banca e mandava minhas fotos, sem nem conhecer quem era o editor. Os atletas de Skate patrocinados pela Nike, que já conheciam meu trabalho, me indicaram para fazer criações para a marca. A primeira campanha de skate da Nike, em 2005, fui eu que fiz a direção de arte junto com a agência deles. Em seguida, desenhei um tênis para a marca, elaborado com diversos materiais, misturando vinis, camurça, couro e lona. Homenagiei a fotografia em preto e branco e fiz o tênis todo com variação do cinza e, na palmilha, coloquei uma fotografia que tirei em p&b. O tênis saiu em 2006 e esgotou em uma ou duas semanas. Depois personalizei outros acessórios e peças de moda esportiva.


Editorial da revista Gude patrocinado pela Nike e desenvolvido por Flavio Samelo

Guia da Semana: O que você pensa para desenvolver um trabalho desse, ligado à moda jovem urbana?
Quando me deram esse projeto eu pensei, "não sei fazer isso". Nuca tinha feito nada parecido, foi um grande desafio. Meu trabalho tem naturalmente uma linguagem mais moderna e como eu convivo muito com esse pessoal do skate, da arte da rua, ele dialoga muito com os jovens. Quando eu fiz o trabalho eu vi o tênis como uma escultura, uma escultura que tinha 400 cópias e era vendida na loja do shopping. Mas eu continuo fotografando skate como eu fotografava há 10 anos, que é o que eu nasci para fazer, só que gosto também de fazer essa parte de publicidade e arte.

Guia da Semana: O que é arte urbana pra você?
Acho que todos os tipos de expressões artísticas executados na rua são arte de rua. A maioria das pessoas acha que Arte de Rua é só o graffiti, mas eu acho isso um grande equívoco. O trabalho do Alexandre Orion, por exemplo, busca um diálogo com o ambiente e a realidade urbana. O street skate pra mim é uma das mais fortes artes da rua porque depende totalmente dela para existir. Quando um skatista escolhe um lugar para andar de skate, ele está se expressando fisicamente sobre aquele lugar. Quando ele leva um fotógrafo para registrar aquilo, a expressão fica documentada. Acredito que a arte de rua é uma extensão de vários outros movimentos artísticos contemporâneos iniciados com os ready-made do Duchamp, que influenciou a Pop Art americana e que influenciou um monte de gente a produzir arte, mesmo que não fosse pintura acadêmica. A arte de rua é, para mim, o maior exemplo de liberdade de expressão que já existiu.

Fotos: Flavio Samelo

Atualizado em 6 Set 2011.