Guia da Semana

Foto: Divulgação

Cena do filme Homens e Deuses, de Xavier Beauvois

Em ótima fase, a nova safra do cinema francês está recheada de produções questionadoras, fugindo das fórmulas fáceis e lidando de forma criativa e bem-humorada com tabus como a xenofobia. Chega até mesmo a rir das mazelas de sua própria sociedade, de uma forma muito parecida com o que os norte-americanos fizeram em longas como Beleza Americana, de Sam Mendes (1999).

Produções recentes e de gêneros diferentes, como o drama Homens e Deuses, de Xavier Beauvois, e a comédia Os Nomes do Amor, de Michel Leclerc (que participou do Festival Varilux de Cinema), tratam, basicamente, do mesmo tema: a tolerância em seus diferentes níveis - religiosa, étnico-racial, cultural e comportamental.

Ganhador do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2010, Homens e Deuses é baseado em fatos reais e conta a jornada de monges franceses que atuam em uma região remota da Argélia, que subitamente se veem ameaçados por sanguinários fundamentalistas islâmicos. Liderados pelo prior (o monge superior) Christian de Chergé (Lambert Wilson), o grupo atende a população local, já que um dos monges tem formação médica. Quando o mosteiro é invadido pelos extremistas no meio da noite, ordenando remédios para os homens feridos, Christian não se nega a ajudá-los, mesmo que isso seja mal-visto pelas autoridades. A atitude cristã do líder causa medo nos companheiros que, aos poucos, passam a se questionar se devem continuar no povoado.

O embate entre a fé e a violência, entremeado pelo respeito à diversidade de crenças, dá o tom à narrativa. Entre as muitas cenas que poderiam ficar para a história do cinema, está a noite em que os monges, depois de muitas conversas sobre o que pode representar ficar ou partir, jantam juntos ao som de O Lago dos Cisnes. Alternando momentos ternos e tensos, Beauvois consegue extrair dos atores toda a complexidade de uma decisão dessa magnitude, que envolve projeto de vida e luta pela sobrevivência. Vale a pena ver a França refletindo sobre sua relação com a ex-colônia Argélia e como lidar com os horrores do fanatismo religioso.

Bem mais leve, mas não por isso menos inquietante, Os Nomes do Amor (que em francês se chama Le Noms des Gens - O nome das pessoas, em tradução literal e muito mais adequada), mostra o improvável romance entre um veterinário certinho, especializado em epidemias, e uma militante de esquerda que vive como se estivesse nos anos 60. Filha de pai argelino e mãe francesa, Bahia Benmahmoud luta contra tudo o que considera "fascismo", tornando-se, em suas próprias palavras, uma "prostituta política", já que a forma que encontrou para fazer a diferença foi fazer sexo com qualquer homem que ela julgue ser "de direita". Bahia acredita que, na cama, os homens estão vulneráveis e, por isso, mais propensos a levar em consideração outras formas de enxergar o mundo. Filha de uma também militante, Bahia leva a sério seus ideais de uma sociedade igualitária e ambientalmente responsável, casando-se com imigrantes ilegais para que consigam os documentos.


Apesar de alguns exageros - não dá para acreditar na cena em que a avoada Bahia se esquece de se vestir e sai às ruas nua - e algumas passagens repetitivas, o filme foge do politicamente correto e se destaca por apresentar um panorama contemporâneo da multiétnica França de hoje, onde nada é o que parece ser. Ponto para o cinema do país, que demonstra maturidade para lidar com temas difíceis e cutucar as feridas.

Leia as colunas anteriores de Vivian Ragazzi:

The Cult

No (outro) caminho das Índias

Enigmático e perturbador

Quem é a colunista: Alguém que gosta de ouvir (e de contar) histórias.

O que faz: Jornalista.

Pecado gastronômico: Comida japonesa e qualquer prato que leve camarão.

Melhor lugar do mundo: Normalmente, me atraem lugares com culturas milenares, como Turquia, India, Marrocos...

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3: Rock clássico, MPB.

Para falar com ela: [email protected]




Atualizado em 6 Set 2011.