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Lázaro Ramos protagoniza Madame Satã, de 2002. |
Há pouco mais de um mês, na segunda semana de fevereiro, o cinema brasileiro esteve em evidência mundial com as premiações no 58º Festival de Cinema de Berlim. Dentre os prêmios, dois chamam a atenção pela temática de seus filmes: Os curtas Café Com Leite, do paulista Daniel Ribeiro, que recebeu o Urso de Cristal de melhor filme para jovens, e Tá!, do carioca Felipe Sholl, que recebeu o Teddy, dado aos filmes com temática homossexual. Ambos giram em torno deste universo GLS. A surpresa vem pelo fato de o Brasil produzir poucos longas-metragens que abordam esse tema.
Daniel, que fez seu trabalho de conclusão de curso na faculdade sobre o personagem homossexual no cinema, afirma que não há interesse em se produzir filmes com esta temática, mas aos poucos isto está mudando. "Estão percebendo o papel do homossexual no mercado, é um nicho que tem dinheiro", diz. Ele próprio revela que está escrevendo um roteiro de um longa-metragem que fala sobre isso de uma forma até mais contundente do que em seu curta. Felipe diz que "a liberação sexual segue um padrão dentro da mídia. Mesmo nas novelas os gays são sempre mostrados iguais, com uma vida ordenada". Ambos concordam que a sexualidade em geral anda ausente do cinema nacional.
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Milton Gonçalves em A Rainha Diaba, de 1974 |
Tanto havia uma grande variedade de filmes que englobavam a sexualidade, que o período foi famoso pelas pornochanchadas. "Depois veio a repressão e os filmes foram se tornando caretas", diz Fontoura. O diretor de Madame Satã, Karim Ainouz, concorda e acredita que existe hoje um discurso moralizante, para se afastar do que era naquela época. "As pessoas ficaram com preconceito, dizendo que o cinema brasileiro só fala de sacanagem", afirma Karim. Ele acredita também que há um medo da pornografia, por isso existe essa deserotização no cinema.
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Cena do curta Tá!, de Felipe Sholl |
Karim ainda acredita que isto é apenas uma ponta do iceberg. Para ele, exceto pelas mulheres, nenhuma minoria tem espaço no cinema nacional. "Com exceção de Joel Zito Araújo e Jeferson De, não existem diretores negros", afirma. Mesmo assim, ele é otimista e acredita que cada vez aparecerão mais filmes que tratem de temas mais restritos, abordando todas essas minorias. Para ele, "o Brasil é ao mesmo tempo um país superliberal e superconservador. Enquanto mulheres andam pelas praias com biquínis pequenos, nos cinemas não pode nem mostrar cenas de sexo".
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Cena de Café com Leite, curta de Daniel Ribeiro |
"O problema é que está acontecendo um movimento de caretização do mundo", segundo Felipe, que acrescenta que "não é só a questão da homossexualidade que é reprimida no cinema, mas a sexualidade em geral". Para isso, Daniel acha tão importante que estas questões sejam mostradas de forma natural, como tentou fazer. E Karim lança a questão de que "o sexo é uma coisa natural, como comer. Tem gente que diz que não precisa colocar sexo nos filmes, mas se pode mostrar pessoas comendo, porque não pessoas transando?".
Atualizado em 6 Set 2011.