Guia da Semana


Transportar a linguagem de uma obra literária para o cinema é uma tarefa difícil. Por razões óbvias, um escritor e um roteirista utilizam métodos diferentes para construir a narrativa de suas histórias e os ganchos que conduzirão seu público por meio da trama, com o intuito principal de serem bem sucedidos ao fisgar seu leitor/espectador. Por esse motivo, um escritor precisa criar uma determinada ordem para os acontecimentos em seu livro, enquanto o roteirista, na maioria das vezes, deve seguir uma ordem diferente, para que o roteiro fique dinâmico e consiga condensar em algumas horas uma obra de muitas páginas. Esse se torna o erro fatal da primeira adaptação cinematográfica de uma obra de Paulo Coelho, Veronika Decide Morrer.

Para uma leiga nas obras do controverso Paulo Coelho, que ocupa a cadeira 21 da Academia Brasileira de Letras, é reverenciado por seus 18 livros publicados e traduzidos para 67 idiomas, mas, ao mesmo tempo, é tachado como um escritor que não tem traquejo para uma escrita elaborada, privilegiando histórias rentáveis, é natural procurar culpá-lo pelos erros do longa, afinal, é dele a matéria-prima da história. Exatamente por esse motivo, me certifiquei de folhear o livro procurando pelas cenas que mais me incomodaram, para saber quem falhou. A resposta, na maioria das vezes (e para minha surpresa), acabou apontando para a equipe responsável pela adaptação.

Para contar a história de Veronika (Sarah Michelle Gellar, a eterna Buffy, a caça-vampiros), uma mulher que beira os trinta anos e não têm grandes problemas aparentes, mas, ainda assim, decide cometer suicídio, os roteiristas Larry Gross (responsável pelos roteiros promissores, mas fracos de Tentação e Geração Prozac) e Roberta Hanley cometem uma sucessão de pequenos erros ao traduzir quase literalmente o livro para as telas, tornando incoerente uma narrativa que poderia perfeitamente funcionar.

O filme, no entanto, tem seus méritos, e eles ficam por conta da fotografia e trilha sonora, onde é possível acompanhar a queda e ascensão de Veronika de uma maneira mais inteligente. A trilha sonora é responsável, inclusive, por subverter a expectativa do público, criando um dos melhores momentos da película. O bom uso da direção de fotografia também ajuda, ao longo do filme, a perceber qual é a válvula de escape do casal de protagonistas, uma sala na clínica psiquiátrica Vilette onde se encontra um antigo piano. A utilização de cores quentes nesse único quarto, em contraste com as cores frias do resto da clínica, é responsável pelo primeiro ponto de virada do filme.

A história é boa, mas poderia render uma adaptação cinematográfica ainda melhor, explorando todas as possibilidades que a linguagem visual permite. Ao invés disso, entretanto, a novata diretora Emily Young optou pelo caminho mais seguro e recheou o longa com clichês que apelam para o sentimentalismo barato e, ao tentar ousar, utilizando excessivamente closes e supercloses, incomoda pela falta de propósito. Os personagens, explorados com superficialidade, não fornecem informações suficientes ao espectador e deixam de enriquecer a trama, além dos constantes descuidos com os nós da narrativa prejudicam a história, tornando-a inverossímil, especialmente quando o desfecho se aproxima.

Quem é a colunista: uma cinéfila apaixonada pelo incomum.

O que faz: jornalista de uma rádio em São Paulo.

Melhor filme: Quem Tem Medo de Virginia Woolf?

Pecado gastronômico: Comida japonesa.

Melhor lugar do mundo: Qualquer cinema, em qualquer lugar.

Fale com ela: marina [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.