Guia da Semana

O que pensam os estrangeiros sobre o Brasil, e quão diferentes são suas visões daquelas dos próprios brasileiros? Rio, Eu Te Amo poderia ser apenas mais um potpourri de histórias de amor, mas é um filme transparente, que, ao mesmo tempo em que comprova a maturidade do cinema nacional, também revela a persistência de preconceitos e verdades desconfortáveis que preferiríamos manter sob o tapete.

“Rio, Eu Te Amo” é o terceiro longa da série “Cities of Love”, da qual também fazem parte “Paris, Je t’Aime” (2006) e “NY, I Love You” (2008). O filme reúne dez histórias dirigidas por diretores de diferentes países (quatro brasileiros, um mexicano, um australiano, um sul-coreano, uma libanesa, um italiano e um americano), amarradas de forma que os personagens se cruzam e se conectam, com a ajuda de um décimo-primeiro diretor.

Fernando Meirelles, José Padilha, Carlos Saldanha e Andrucha Waddington representam o Brasil com alguns dos segmentos mais poéticos. “A Musa”, de Meirelles, explora os sons da orla e fixa seus olhos nos pés dos transeuntes para contar uma história de criação: um escultor encontra sua dama inspiradora e canaliza todo o seu sentimento na areia, transferindo o amor à obra de arte.

Vincent Cassel no segmento "A Musa", de Fernando Meirelles

Padilha também ousa, mas nas palavras. Contando mais uma vez com a atuação enérgica de Wagner Moura, o diretor mostra um desabafo sincero – sobre o amor, sobre a cidade, sobre esperanças e frustrações. Como Meirelles, ele não invoca o amor da forma convencional, mas pousa suas lentes sobre as consequências de um romance não correspondido.

Saldanha é mais romântico, colocando seus personagens (Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer) sob as paredes do Teatro Municipal. São bailarinos, estão decidindo seu futuro enquanto dançam, indo e vindo nos braços um do outro. Sua história está nos movimentos, não nos diálogos.

Andrucha surpreende ao colocar Fernanda Montenegro como uma mulher que abandonou tudo e foi morar na rua. Fernanda brilha, mesmo coberta de pó e panos velhos, e seu sorriso, mesmo amarelo, esbanja sabedoria. Essa história é de amor pela cidade.

Basil Hoffman e Emily Mortimer no segmento "La Fortuna", de Paolo Sorrentino

Entre os estrangeiros, Paolo Sorrentino destoa pela ousadia. Ele também não fala de amor romântico: fala de um casal, seja lá o que for que os tenha unido. Seu segmento, chamado “La Fortuna”, ganha força com os olhares raivosos de Emily Mortimer e Basil Hoffman.

Guillermo Arriaga começa a mostrar o lado mais feio do Brasil: seu herói é um ex-pugilista profissional que sofreu um acidente com a esposa e vai ao submundo lutar por ela, sem regras ou honra. Quem lhe oferece ajuda, como um inimigo mais poderoso de quem não pode fugir, é um estrangeiro.

Também merece destaque o segmento “Milagre”, de Nadine Labaki, protagonizado por ela mesma e Harvey Keitel. Nele, é uma criança que rouba a cena enquanto tenta ligar para Jesus num orelhão público. A pobreza, o descaso com menores e até a esperteza do brasileiro são temas trabalhados pela libanesa com sutileza e bom humor. Pelé é citado como um ícone presente do futebol, mesmo sendo raramente lembrado pelas crianças de hoje.

Tonico Pereira e Roberta Rodrigues no segmento "Vidigal", de Sang-Soo Im

O batuque de escolas de samba fora de época eventualmente dá as caras, no trabalho de Sang-Soo Im, que mais parece estar debochando da cultura nacional. A prostituição também aparece, sensualizada e festejada, como se, por aqui, as mulheres escolhessem essa vida por diversão.

No quase-bem-sucedido “I Think I’m In Love”, de Stephen Elliot, Marcelo Serrado fica à mercê das vontades de um ator internacional a quem serve de motorista. A relação de submissão (estereótipo básico do brasileiro) é quebrada, aos poucos, até que os dois alcançam juntos o pico do Pão de Açúcar. Lá, têm uma visão digna de “Priscilla, a Rainha do Deserto”, maior sucesso de Elliot, o que destoa de tudo o que vinha sendo mostrado até então.

John Torturro trabalha o diálogo entre um casal em crise (ele mesmo e Vanessa Paradis), numa discussão que poderia acontecer em qualquer lugar, entre pessoas de quaisquer nacionalidades, e seu trecho evolui para uma espécie de videoclipe.

Vista aérea do Rio de Janeiro mostrada no filme

Amarrando todas essas tramas está uma edição que privilegia as vistas aéreas e o merchandizing – com alguns enquadramentos descaradamente publicitários. Mais do que reunir histórias de amor numa cidade amada, os produtores parecem querer vender um Rio de Janeiro que funciona, com seu Rio Filme, suas escolas públicas, seu turismo receptivo a estrangeiros.

Felizmente, não é isso que fazem os diretores nacionais dessa seleção. Eles não estão preocupados em mostrar o Brasil que já conhecem, em denunciar ou valorizar o óbvio – mesmo que o filme leve “Rio” no nome. Como cineastas, querem criar histórias envolventes e explorar linguagens. Enfim, fazer cinema de verdade.

Assista se você:

- Quer ver um mix curioso de visões estrangeiras sobre o Brasil
- Quer ver trabalhos experimentais de diretores como Padilha e Meirelles
- Quer ver profissionais de diferentes países trabalhando juntos na frente e atrás das câmeras

Não assista se você:

- Não quer ver o que pensam os estrangeiros do Brasil
- Espera ver um filme romântico
- Não gostou dos outros filmes da série "Cities of Love"

Por Juliana Varella

Atualizado em 10 Set 2014.