Guia da Semana

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Uma sala de ensaios de um grupo de jovens atores. Este é o único cenário do musical de longa-metragem Léo e Bia, de Oswaldo Montenegro, que estreia em 17 de setembro. Sem nenhum objeto de cena, sete amigos que vivem em Brasília no auge da ditadura militar (1973) montam uma peça que compara Jesus Cristo com Lampião. Paralelamente à opressão política, Bia (Fernanda Nobre), uma das integrantes do grupo, é vítima da obsessão de sua mãe (Françoise Forton), que nutre um amor doentio pela filha.

Liderados pelo diretor artístico Léo (Emílio Dantas), Marina (Paloma Duarte), Cachorrinha (Vitória Frate), Cabelo (Pedro Cartano), Brookie (Ivan Mendes), Encrenca (Pedro Nercessian) e a menina Bia tentam driblar a atmosfera política opressora e a aridez cultural do Distrito Federal por meio da arte e da amizade. O filme, que é o primeiro trabalho do cantor como diretor e produtor de cinema, traz uma adaptação do musical homônimo, sucesso dos palcos na década de 80, e retrata traços da adolescência do menestrel.

Na entrevista a seguir, Montenegro fala sobre a ousadia da produção e como foi a experiência na direção.

Guia da semana: Você costuma dizer que esse filme é um sonho antigo, de mais de 10 anos. O que impedia a realização do longa?
Montenegro: Precisava de gente que comprasse a estética da proposta. Tanto em relação à equipe técnica quanto ao elenco. Necessitava de pessoas que apostassem naquela maneira de filmar, que, de uma certa forma, poderia assustar um pouco à primeira vista. Queria que a história fosse contada de uma maneira simples, mas que houvesse uma liberdade estética constante e ampla, como, por exemplo, usar a corda vermelha que prende a Bia o tempo todo e a ausência absoluta de objetos de cena. Também não há outras pessoas. É como se o grupo vivesse sozinho, ampliando a ideia de solidão que Brasília sempre me passou. Então, havia muita coisa arriscada do ponto de vista estético. Quando eu encontrei um elenco e uma equipe técnica que compraram tudo isso, eu fiz.

Guia da semana: Quais foram as principais dificuldades no momento de transpor a linguagem cênica para a cinematográfica?
Montenegro: Colocar sob uma ótica cinematográfica livre. O filme não é teatral. Ele é sobre uma trupe de teatro. A maneira indisciplinada de usar a câmera não é teatral. Então, a grande dificuldade foi encontrar uma linguagem cinematográfica ousada e livre, mas que, ao mesmo tempo, não comprometesse a clareza com que a história é passada.

Guia da semana: Quais mudanças o enredo sofreu para se adaptar às telas?
Montenegro: Foram muitas. Eu diria que hoje só existe metade da peça que eu escrevi em 1974.

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Guia da semana: E essas mudanças aconteceram durante o processo ou você já tinha tudo em mente?
Montenegro: Deu muito trabalho. Apesar de 1973, que é o auge da ditadura militar, ser um pano de fundo, voltei a fazer muita pesquisa sobre essa época para reescrever.

Guia da semana: Você diz que filme não pretende ser político e nem didático. Qual é a verdadeira pretensão do filme?
Montenegro: Em primeiro lugar, quis fazer uma homenagem à amizade. Em segundo, desejei retratar o quanto o amor, paradoxalmente, pode fazer mal, como é o caso da mãe da Bia. Por último, perguntar se a vítima também é culpada e até que ponto a não-reação da vítima torna o algoz mais poderoso. O tempo todo, focalizei emocionalmente e psicologicamente os personagens.

Guia da semana: E como aconteceu a escolha do elenco?
Montenegro: Na verdade, fiz testes. Eu já conhecia algumas pessoas, mas o quesito básico foi o talento. Os músicos já trabalham comigo há um tempo, pois são da minha companhia de teatro.

Guia da semana: E como foi o processo de ensaios?
Montenegro: Ensaiamos durante cinco meses no Rio de Janeiro. O processo começou pelo conhecimento dos atores sobre quem interpretariam e o que aquela época significava para eles. Depois, descobriram quais eram os conflitos que regiam a interação entre eles. Além de personagens psicologicamente definidos, existem arquétipos. A Marina, por exemplo, é a líder política do grupo. Já o Léo é o líder artístico. A Cachorrinha e o Brookie representam o homem comum diante de um acontecimento extraordinário. O Cabelo é um menino lindo que não sabe lidar com a homossexualidade naquele momento. O Encrenca é a parte ácida, a maneira cruel de ver o mundo. A Bia é a típica heroína romântica que coloca a culpa no mundo, como uma Rapunzel que não joga as tranças. A última parte foi quando eles já estavam totalmente imbuídos dos personagens e passaram a influenciar o roteiro.

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Guia da semana: Como foi o trabalho de preparação dos atores para fazer uma encenação realista, mas sem nenhum objeto cênico?
Montenegro: Por incrível que pareça, essa foi uma parte mais tranquila, porque tudo acontece na sala de ensaio deles, onde, teoricamente, não havia objetos.

Guia da semana: O que você levou do teatro para comandar o filme?
Montenegro: A quantidade enorme de ensaios. Aliás, uma coisa que quero muito é que grupos e pessoas que fazem teatro vejam esse filme. Eu tenho esse sonho.

Guia da semana: Você pretende dirigir outros filmes?
Montenegro: Não tenho a menor ideia. Eu realmente estou numa fase que todo dia penso em fazer outro filme, e todo dia penso em nunca mais fazer um filme.

Confira a biografia de Oswaldo Montenegro

Atualizado em 10 Abr 2012.