Guia da Semana

Los Angeles


Dois vilões distintos, dois livros fantásticos e um só ator. Após dar vida a Smeagol em O Senhor dos Anéis, Andy Serkis agora encarna outro psicopata alucinado, em Coração de Tinta, filme no qual interpreta Capricórnio. O Guia da Semana foi até Londres conversar com o ator, que recriou King Kong e, em breve, estará nas telas com As Aventuras de Tim Tim.

De onde você tira toda essa intensidade para os seus personagens?

Andy Serkis:
Vou meio para o tudo ou nada. Acho que se não me transporto para cada personagem, não vou ficar satisfeito. É um modo de trabalho capaz de aplacar minha própria necessidade por motivação. Nunca farei um filme só por fazer. Preciso estar 100% envolvido com aquela situação. Muito disso se faz necessário para o personagem. Por exemplo: Capricórnio é um sujeito movido pela vingança contra um mundo no qual ele não passa de um mau-feitor sem futuro, assim como muitos ditadores. A maioria deles foi subestimado ou ignorado, então a resposta sempre surge com força no outro extremo. Ele é motivado pelo medo, mas no fundo, teme perder seu poder e, com isso, voltar a ser um Zé Ninguém. Assisti muitas coisas de Adolph Hitler para ajudar a compor Capricórnio.

É impossível não falar de Gollum. Como ele influenciou tudo?

Andy Serkis:
Trabalho há anos no teatro e em filmes independentes, mas não há como negar que ele mudou tudo. Claro que o modo como O Senhor dos Anéis foi adaptado, os papéis foram escritos e toda a parte técnica, tiveram papel fundamental nisso. Mas também abriu espaço para essa nova vertente de atuação: captura digital. Foi perfeito em termos de atuação, pois essa técnica permite liberdade e amplia o repertório de qualquer ator. É uma das invenções mais brilhantes dos últimos anos e, embora muita gente reclame, pode ser utilizada positivamente. Você pode simplesmente ser qualquer personagem.

A Lenda de Beowulf tentou fazer isso e não deu muito certo, hein?

Andy Serkis:
Vou ser cuidadoso nessa resposta (risos)! [Fazendo careta]. Estou muito empolgado com o aumento do uso dessa tecnologia, especialmente por diretores de ponta, como Robert Zemeckis, que usou novamente em A Christmas Caro. Admiro essa postura dele, de ultrapassar as barreiras. Ao mesmo tempo, vemos veteranos entrando na onda. Quem imaginaria que gente como Anthony Hopkins faria algo assim?

Pelo menos os olhos de Gollum não eram estrábicos como em Beowulf...

Andy Serkis:
(risos) A parte técnica não tem nada a ver comigo. É tudo do Peter Jackson. Dei muita sorte em conseguir esse trabalho, para ser sincero. Não é todo dia que surge algo capaz de misturar drama com inovação tecnológica de maneira tão positiva assim.

Mas você também levou isso a outro nível, afinal, já chegou a incorporar Gollum nos palcos com Jack Black e Kyle Grass. Gostou da brincadeira?

Andy Serkis:
(gargalhadas) Aquilo foi intenso! Estávamos filmando King Kong e o Jack e o Kyle Grass tinham agendado um show em Wellington, perto do Natal. Ele perguntou se eu toparia cantar uma música como Gollum. Adorei a idéia. Ensaiamos uma vez e fomos para o palco. Foi quase tudo improvisação.

O resultado foi parar no YouTube. Essa nova onda de informação provocada pelos sites de vídeo afeta os atores, do ponto de vista profissional?

Andy Serkis:
Tudo ficou mais fácil, não? Posso sair na rua agora, falar com meia dúzia de pessoas e alguém vai filmar e colocar no YouTube, em menos de cinco minutos. Acredito que o principal disso tudo é prestar atenção no que dizemos, afinal, com tanta informação circulando, não há o senso jornalístico de discernir o que foi dito no calor da batalha de um tapete vermelho da opinião dita a um amigo dentro de um restaurante.

A atuação nesse mundo 3D ou Motion Capture ainda permite sutilezas na atuação? Ou transforma a arte em algo plano?

Andy Serkis:
Tudo depende do diretor e do roteiro. Contanto que o comandante do barco entenda a natureza dramática de cada personagem e do que ele precisa fazer, a técnica pode surgir como elemento positivo. Acredito que o sonho da atuação não vá morrer por causa dos computadores.

Tanto Gollum, quanto Capricórnio, de Coração de Tinta, são personagens muito marcados pela dor e pela turbulência interna. Você baseia suas visões para sujeitos como eles em algum modelo pessoal ou mero estudo de roteiro?

Andy Serkis:
Boa pergunta (risos). Sempre senti que parte da minha personalidade procurava naturalmente por experiências opostas ao que eu vivia. Meu filho costuma me dizer está num dos "dias do avesso", quando algumas coisas dão errado. Estou tentando me analisar para responder isso. Vejo como se deixasse minha individualidade de lado para questionar tudo considerado cotidiano ou aceitável. Justamente por isso, dediquei muito tempo da minha carreira a essa análise do lado negro da sociedade, pelo ponto de vista artístico, claro.

Você disse "ninguém é totalmente malvado", seja falando de Gollum ou mesmo de Capricórnio. Qual o sentido dessa frase e como ela afeta seu trabalho em Coração de Tinta?

Andy Serkis:
O ser humano é muito complicado. Na maioria das vezes em que acreditamos ter a resposta, colocamos a pessoa sob análise num local separado e dizemos "fulano é malvado". Mas quando fazemos isso, estamos, de fato, perdidos. É um passo perigoso em direção ao momento no qual seremos incapazes de identificar a humanidade. Por mais que seus atos sejam condenáveis, dizer que Saddam Hussein não era um ser humano é perigoso em termos sociais, pois aumenta o nível de insensibilidade de cada um de nós.

Para fechar com chave de ouro: poderemos contar com você em O Hobbit?

Andy Serkis:
Se o filme avançar, pode contar comigo. Gollum está no livro, então acho que vão precisar de mim (risos).

Mas você se sentiria confiante sem a direção de Peter Jackson?

Andy Serkis:
Guillermo Del Toro sabe muito bem o que faz. Eu seria louco se não confiasse nele (risos). A Terra-Média vai ter o mesmo feeling visual. Tudo vai estar lá. Peter Jackson estará por lá, então tudo vai dar certo. Cruzem os dedos.

Leia as matérias anteriores do nosso correspondente:

  • Keanu Reeves: o novo Klaatu

  • John Lasseter: o salvador da Disney

  • Brendan Fraser: O nome da aventura


    Quem é o colunista: Fábio M. Barreto adora escrever, não dispensa uma noitada na frente do vídeo game e é apaixonado pela filha, Ariel. Entre suas esquisitices prediletas está o fanatismo por Guerra nas Estrelas e uma medalha de ouro como Campeão Paulista Universitário de Arco e Flecha.

    O que faz: Jornalista profissional há 12 anos, correspondente internacional em Los Angeles, crítico de cinema e vivendo o grande sonho de cobrir o mundo do entretenimento em Hollywood.

    Pecado gastronômico: Morango com Creme de Leite! Diretamente do Olimpo!

    Melhor lugar do Brasil: There´s no place like home. Onde quer que seja, nosso lar é sempre o melhor lugar.


  • Atualizado em 6 Set 2011.