Guia da Semana



Não consigo conceber uma análise da nova animação da Disney Pixar Up - Altas Aventuras sem levar em conta minha experiência infantil como espectadora do gênero. Apesar de acompanhar a maior parte da produção cinematográfica, desde os filmes comerciais até os com perfil autoral e artístico, tenho grande resistência a assistir os filmes contemporâneos da Disney Pixar ou Dreamworks. Com o objetivo de desmistificar meu preconceito, fui ver o longa propositalmente em uma sala da rede Cinemark, na sessão das 13h20, junto com as crianças, em teoria, o público alvo do filme.

Já dentro da sala, acompanhava as famílias e casais de namorados entrando com um suprimento de comida similar ao estocado em casos de nevasca ou ameaça nuclear. Entre baldes de pipoca, hambúrgueres do McDonald´s, nuggets, refrigerantes e doces, alguns pais fotografavam os filhos fazendo poses com os óculos para filmes em 3D. Neste momento, só conseguia pensar que, para aquelas pessoas, os filmes são um produto como qualquer outro. Acostumada com as salas do circuito de arte da região da Paulista e cineclubes da cidade, em que a maioria dos espectadores encara o cinema como obra de arte, apesar de seu caráter intrinsecamente comercial, estava muito incomodada naquele ambiente e torcendo para que o filme finalmente começasse.

Para minha surpresa, Up - Altas Aventuras não me irritou tanto quanto outras animações que, na pretensão de alcançar o público de todas as idades, procuram ser descoladas, com personagens anti-heróis, incontáveis referências à cultura pop e paródias de outros filmes. Nesta ânsia pela bilheteria, os roteiros das animações atuais acabam tão modernos, que só os adultos entendem. Ou alguém acha que Shrek foi feito para crianças?

Apesar de ter elementos lúdicos e fantasiosos herdados das animações clássicas, como a ideia de transformar uma casa em dirigível colocando milhares de balões na chaminé, Up aborda temas delicados como a morte, a velhice e a abdicação dos sonhos devido aos compromissos e obrigações da vida. A narrativa incorpora aspectos modernos, com a inserção de um cinejornal em preto e branco logo na abertura do longa. Depois, por meio de uma sequência bastante rápida de imagens sem som, a vida do protagonista e de sua mulher é retomada em um flashback. Sem dúvida, uma criança não consegue compreender estas duas sequências, o que não acarreta muitos prejuízos ao entendimento do resto da trama, mas elas só se justificam tendo em vista a ampliação da audiência ao público adulto.

Outro aspecto que me incomoda nas animações pós-modernas destes dois estúdios é o compromisso com o naturalismo. A Disney Pixar e Dreamworks parecem apostar na ideia de que o espectador médio relaciona realismo com maior qualidade técnica e, por isso, não promove nenhuma inovação nos traços. Isto contradiz uma das maiores riquezas da computação gráfica que é a de ser uma ferramenta de ampliação da liberdade criativa e experimentação estética.

Mas grande parte da minha resistência a estas produções está na nostalgia dos desenhos que fizeram parte de toda minha infância, época em que eu não sabia o que era indústria cultural, nem notava que os personagens bons eram sempre belos e os maus, feios, e nunca tinha parado para pensar que não existia uma princesa da Disney negra.

Apesar de ter uma visão crítica, hoje, sei que Cinderela, O Rei Leão, Pocahontas, A Bela e a Fera, A Pequena Sereia e outras tantas animações que eu assistia repetidamente (e sabia de cabeça todas as falas) me marcaram de forma definitiva.

Nestes desenhos, o mundo era pleno de ilusão e fantasia, o mocinho defendia a mocinha até as últimas consequências, o amor, a inocência e a bondade eram valores supremos e, depois de muitos desafios embalados por emocionantes sequências musicais, as histórias tinham finais felizes e redentores. A estrutura desses desenhos era didática, linear e muito similar a de um musical clássico.

Para a alegria dos defensores das animações 2D, a Disney lançará, em dezembro, A Princesa e o Sapo, desenhada a mão. Além de retomar a atmosfera fantástica das animações clássicas, o desenho repara a falta de uma princesa negra.

Podem me acusar de saudosismo, mas, apesar de saber que o homem da minha vida não virá de cavalo branco ou me encontrará graças a um sapato de salto que eu perca na porta de uma balada, acredito que a ilusão e magia dos antigos desenhos da Disney ainda me acompanham e me ajudam a manter esperança na vida e em alcançar meus sonhos neste complexo mundo contemporâneo.


Quem é a colunista: Jornalista e cinéfila Cyntia Calhado.

O que faz: Repórter do Guia da Semana.

Pecado gastronômico: Pizza, chocolate, açaí...

Melhor lugar do Brasil: Onde se tem paz.

Melhor filme que já assistiu até hoje: Como é impossível escolher um, fico com a obra dos diretores Pedro Almodóvar, Eric Rohmer, Walter Salles e Domingos de Oliveira.

Para falar com ela: [email protected] ou acesse seu blog ou site

Atualizado em 6 Set 2011.