Guia da Semana

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Pobre, nordestino e retirante. Não teria sobrenome melhor do que o Silva para representar essa família comandada por Dona Lindu. Assim como tantas outras, essa mãe busca uma vida menos miserável e mais digna, partindo em 1952 do sertão de Pernambuco para morar com o seu marido Aristides, na zona portuária de Santos. Com os seus oito filhos nos braços e quase nada pra carregar - a não ser esperança e teimosia - vê-se obrigada a criá-los sozinha, acompanhando-os até a velhice.

Dirigido por Fábio Barreto ( O Quatrilho, 1995), o longa Lula - O Filho do Brasil ostenta o maior orçamento nacional (R$ 16 milhões) e narra a vida de Luiz Inácio da Silva - vivido pelo estreante Rui Ricardo Diaz. A película retrata desde o seu nascimento até a morte da sua principal heroína, em 1980, Dona Lindu, interpretada por Glória Pires. O elenco ainda conta com Cléo Pires (Lurdes), Juliana Baroni (Marisa Letícia) e Milhem Cortaz (Aristides).

Sem apoio das leis governamentais de incentivo e contando com financiamento de empresas do setor audivisual e iniciativa privada, o longa pretende estrear de uma só vez no circuito nacional, com previsões otimistas de até 650 cópias a serem distribuídas. Na expectativa da estréia, confira a conversa que Fábio Barreto, Glória Pires e Rui Diaz tiveram com o Guia da Semana.

Guia da Semana: Quando surgiu a ideia de fazer um filme sobre a história do Lula?
Fábio Barreto:
Esse projeto começa com o meu pai tendo que responder no exterior as pessoas que sempre perguntavam sobre Pelé e Ronaldo. A partir a eleição do Lula, começaram a perguntar sobre o presidente; ele não sabia muito do passado e por alto falava que era um retirante. Em 2003, instigado a conhecer melhor a história, teve acesso ao livro da Denise Paraná, leu, adorou e entregou pra mim perguntando se dava um filme. Depois de ler, falei que não só dava como tinha que ser feito.

Guia da Semana: Como você fez a seleção das histórias do livro para caber no longa?
Fábio:
O próprio filme tem muito mais coisa. Eu quis pegar cada situação e montar no primeiro corte que dei no filme, e já deu 3h15. A própria seleção foi uma coisa muito difícil, com o tratamento de roteiro passando de 300 para 100 páginas. Acho que resultou em uma coisa sintética, passando pelas coisas mais importantes de cada fase da vida dele até chegar ali.

Guia da Semana: Houve comunicação formal com o presidente para a realização do filme?
Fábio:
Ele já havia sido procurado por companhias estrangeiras que queriam fazer o longa sobre ele, mas disse que preferiria um produtor brasileiro. Finalmente, quando a gente se apresentou ele atendeu. A partir daí, o staff dele foi indicando os caminhos da pesquisa, juntamos reportagens, fotografias, entrevistas, conversas com família e amigos, etc. Ele tinha plena confiança e não se interferiu em nada.

Foto: Leonardo Filomeno


Guia da Semana: Quais foram as suas referências estéticas para fazer o filme?
Fábio:
No Nordeste, Vidas Secas. Em São Paulo, tem os filmes dos anos 60, de Luís Person e Roberto Santos. Junto a isso o Cinema Novo e Realismo Italiano, esses tipos de referência são sempre importantes porque são coisas que já estão impregnadas em mim.

Guia da Semana: O filme mostra uma certa preocupação em não envolver o lado político, o que causaria um certa mal estar por sua estreia estar marcada em ano eleitoral. Por que você resolveu retratar somente até 1980?
Fábio:
A decisão que tomei para contar essa história era de mãe e filho; morreu a mãe acabou a história, não tinha mais o que contar. Dramaticamente pra mim era aquilo ali.

Guia da Semana: Como foi exibir pela primeira vez o filme para o Lula?
Fábio:
Foi emocionante, pois ali eu estava mostrando o filme para o retratado. Quando acabou, ele estava em um transe, ainda muito impactado com a projeção. Ele falava coisas, devaneios, pois naquelas 2h ele reviveu uma parte da sua vida. Isso é muito forte e desequilibra certas pessoas. Ele fez algumas observações sobre o pai, que não tinha uma imagem violenta do mesmo, pois ele era mundo pequeno, ao contrário dos irmãos. Mas o filme até amenizou essa figura, já que o pai era muito violento, tanto que relatos familiares falavam que ele queimava os filhos com cigarros e acordava-os com um cano de espingarda na cabeça.

Guia da Semana: Como está sentindo a responsabilidade de dirigir o filme com um dos maiores orçamentos do Brasil, de R$ 12 milhões?
Fábio:
Eu tenho consciência de que, por mais que custe um filme nacional é muito pouco em comparação lá fora. Eu mesmo vou concorrer com um que chegou 15 dias antes e com orçamento estimado em 200 milhões de dólares ( Avatar). Isso dava pra fazer quase 20 Lulas e tá ali, competindo na sala ao lado.

Foto: divulgação


Guia da Semana: Como está sendo previsto o lançamento com mais de 500 cópias, um recorde nacional?
Fábio:
Acho que isso tem que aumentar cada vez mais, isso não é grandeza, isso é o que a nossa cultura merece, o que a nossa indústria tem que ter pra se tornar competitiva. Acho que essa é a capacidade de fazer, realizar e disputar o mercado. O povo, para se desenvolver, precisa ir ao cinema e ver como ele é bom. Para mim o Lula representa um surgimento, uma retomada pessoal na minha carreira. Eu, que participei da retomada com O Quatrilho, agora estou usufruindo dela, fazendo a minha (retomada), vamos dizer assim.

Guia da Semana: Não pedir ajuda da Lei de Incentivo foi a uma prudência, tendo em vista o ano eleitoral?
Fábio:
Isso foi uma condição primordial, porque dessa maneira o Lula estaria se beneficiando de uma produção para ele mesmo. Eu acho que você ter um filme como esse sem usufruir um tostão de incentivo fiscal é uma prova que isso é possível. Isso pode ser feito implementando o Vale Cultura e a construção de mais salas de cinema. A ideia agora é financiar o consumo, não a produção. Hoje você financia 100 filmes no ano e 90% deles ninguém vê. Os municípios não têm sala e o povo não tem dinheiro pra ir. Financiar o mercado vai revolucionar a indústria, solidificar e acabar com esse negócio de incentivo fiscal. Para isso, reservamos ao cinema de linguagem, de arrouba autoral, aquele que precisa de investimento a fundo perdido. O que sobra é o cinema de mercado, do mainstream, competitivo. Que é o que o Brasil merece e ele nunca conseguiu fazer.

Clique e veja a entrevista com Glória Pires

Clique e veja a entrevista com Rui Ricardo Diaz

Atualizado em 6 Set 2011.